Num
caldeirão em que se misturam literatura de cordel e ficção
científica, o rock dos Beatles e dos Stones, o folk elétrico de
Dylan, o iê-iê-iê da Jovem Guarda e o baião de Luiz Gonzaga, Zé
Ramalho forjou seu estilo original, ganhando lugar na música popular
brasileira também como um vigoroso e personalíssimo cantor de voz
grave e rascante, fora dos padrões da época e reconhecível às
primeiras notas.
Zé
também se tornou conhecido por suas letras barrocas e elaboradas a
partir de sua vasta cultura do cordel e dos grandes repentistas, como
em “Avohai”, “Frevo mulher” e “Vila do sossego”:
“Meu
treponema não é pálido nem viscoso / Os meus gametas se agrupam no
meu som / E as querubinas meninas rever / Um compromisso submisso,
rebuliço no cortiço / Chame o padre Ciço para me benzer.”
“Admirável
gado novo” é o melhor exemplo da força, audácia e personalidade
do seu estilo, com letras delirantes, irônicas e contundentes
integradas ao Nordeste elétrico de suas músicas. A sua letra de
protesto entre o cordel e o manifesto político questiona e provoca a
passividade da massa manipulada pelos poderes dominantes, num
paralelo paródico com a distopia criada pelo escritor inglês Aldous
Huxley no livro Admirável mundo novo.
Destaque
nas rádios do segundo álbum solo de Zé Ramalho, A peleja do
Diabo com o Dono do Céu, lançado no fim de 1979, “Admirável
gado novo” teve um segundo surto de popularidade quase duas décadas
depois. A mesma gravação, com arranjo do tecladista Paulo Machado,
foi incluída, como tema dos personagens sem-terra, na trilha sonora
da novela O rei do gado (Rede Globo, 1996/1997) com
espetacular sucesso popular de Norte a Sul do Brasil. Ainda em 1997,
uma vigorosa versão de Cássia Eller (na coletânea Música
urbana) explodiu nas rádios, universalizando e dando nova vida à
canção.
Nascido
em 3 de outubro de 1949 em Brejo da Cruz, interior da Paraíba, Zé
chegou a João Pessoa na adolescência e deu seus primeiros passos
musicais influenciado pelo rock e pela Jovem Guarda. Em 1975, gravou
ao lado do pernambucano Lula Côrtes o lendário e ultraunderground
álbum Paêbiru, de rock nordestino e psicodélico, que foi
ignorado na época mas virou um dos álbuns mais procurados por
adoradores de vinil do mundo inteiro. Zé Ramalho começou a ser
reconhecido a partir de 1976, participando da banda elétrica de
Alceu Valença. Dois anos depois, seu primeiro álbum solo já
anunciava a alquimia sonora e poética que ele iria sintetizar em
“Admirável gado novo”.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário