Ele
escorregava no piso da banheira ao tomar banho de chuveiro e tinha
que se segurar em algum lugar para não cair. Por isso, às vezes,
apenas limpava as axilas com uma esponja ensaboada, lavava
cuidadosamente as partes pudendas no bidê e perfumava o corpo.
Para
ir para a cama com uma mulher, além dessas preliminares higiênicas,
outras medidas tinham que ser tomadas. O quarto de preferência devia
ficar em penumbra, mas se a luz fosse acesa, como algumas pediam,
isso não era problema, as mulheres adoravam o seu tórax musculoso.
Para manter os peitorais, deltoides, bíceps e tríceps em sua rígida
definição, ele realizava, todos os dias, vinte séries de mergulhos
no chão, cada uma com trinta repetições, dez séries pela manhã,
dez à tarde. Desenvolver a musculatura dos quadríceps era mais
trabalhoso, pois os agachamentos com a barra nos ombros exigiam, além
de perícia, um esforço muito grande.
Sempre
esperava a mulher se desnudar primeiro. Depois, tirava apenas os
sapatos, a camisa e, mantendo as calças, possuía a mulher com
grande e demorado ardor. A coreografia dos corpos durante o ato era
controlada cuidadosamente por ele, para que aquela sua peculiaridade
não interferisse negativamente na fruição sexual recíproca. Era
ajudado pelos seus braços musculosos, suas mãos hábeis e
engenhosas, e uma genitália de grandes proporções.
Por
que você não tirou as calças?
Minhas
pernas são finas, ele dizia. Algumas respondiam, afagando-o, que as
coxas dele eram grossas. Cada louco com a sua mania, ele explicava,
afastando a mão da mulher, delicadamente, da sua coxa. Quando
insistiam, nas vezes subsequentes, para que tirasse as calças largas
que usava, solicitação nunca atendida, ele sabia o que afinal iria
acontecer. Homens idiossincráticos, que agem e reagem de maneira que
elas não entendem, perturbam e de certa forma assustam as mulheres.
Por
esse motivo a relação sempre durava pouco tempo, mas perder as
mulheres não era nenhum problema, ele nunca se apaixonara por
nenhuma delas. Agradáveis, lhe davam um prazer aliviante, mas eram
todas iguais. Arranjar outra era muito fácil.
Então
conheceu Vivi e se apaixonou por ela. Vivi era diferente, não sabia
como e por quê, por mais que pensasse, mas sem dúvida ela não era
como as outras. Por isso se apaixonara, porque ela era diferente. O
corpo de Vivi era bonito, ela movimentava-se com uma elegância
natural, era esbelta, era perfeita. Mas já conhecera outras assim. A
beleza física não era a diferença que o deixara arrebatado.
Demorou
algum tempo, mas um dia Vivi também perguntou:
Por
que você nunca tira as calças? O teu corpo é tão bonito.
Minhas
pernas são feias.
Não
parecem, dentro das calças.
São
muito finas.
É
uma esquisitice sua.
Cada
louco com a sua mania.
Você
não acha que isso, de certa maneira, torna você mais tenso? Não
sei explicar como, uma tensão que não deixa você relaxar. Eu me
entrego e depois relaxo. Você não, parece concentrado em outra
coisa, o tempo todo. Mas não estou me queixando, querido, acho que
não me expliquei direito.
Mas
ele entendeu muito bem o que ela dizia.
Vivi
gostava de ficar nua na frente dele, de andar pela casa, comer, ler
no sofá, sem roupa. A nudez de Vivi fazia com que ele a agarrasse
com insopitável desejo, estivesse deitada na cama ou no sofá,
curvada sobre a mesa da copa, ou mesmo em pé no meio da sala, em
qualquer lugar ou situação. Ela sentia-se incendiada por aquele
ardor constante, que, segundo as suas amigas experientes, não era
comum à maioria dos homens, depois da descoberta inicial.
Para
não discrepar da nudez dela, ele andava pela casa sem camisa e
descalço. Mas não era elegante como Vivi, sua passada era a de um
vaqueiro do agreste andando de botas num salão de madeira
escorregadia.
Um
dia, Vivi voltou a falar das calças.
Essas
calças me dão a impressão de que você não é meu, de que o seu
corpo não é meu por inteiro, apenas metade dele, a outra
pertencendo a alguém, uma mulher com quem você partilha um segredo.
Ele
respondeu que não existia nenhuma outra mulher.
Vivi
passou a olhar com atenção as calças que ele usava, pensativa,
silenciosa. Um dia, surpreendeu-a contemplando as roupas dele no
armário. Compreendeu que, se não tirasse as calças e ficasse
inteiramente nu, iria perdê-la. Mas se as tirasse, também a
perderia, a mulher diferente de todas as outras. Sentiu-se muito
infeliz, pois estava num beco sem saída.
Um
dia, depois de ficar nua, Vivi exigiu que ele tirasse as calças.
Tira
hoje, ou está tudo acabado.
Ele
a abraçou. Não posso, disse.
Você
é um obstinado, disse Vivi se afastando, não quer se livrar dessa
extravagância neurótica, nem eu implorando, como estou fazendo
agora.
Se
eu tirar as calças será o fim do nosso amor.
Estou
suplicando!
Ele
suspirou, um gemido, um lamento de animal ferido, perder aquela
mulher, que era diferente de todas as outras, o tornaria um ser
desgraçado pelo resto da vida.
Vivi
se comoveu com a tristeza dele, mas sabia que estava prestes a
conseguir o que ansiosamente queria e resistiu à emoção que tomara
conta dela.
Anda,
por favor, tira as calças.
Ele
tirou as calças.
Está
vendo? Uma parte desta perna, a inferior, é mecânica, aquilo que
chamam de perna de pau. Mas não é de pau. É de titânio.
Vivi
ficou calada algum tempo. Depois disse, como por acaso:
Não
acho feia a sua perna. Ela lhe dá uma interessante aparência
cibernética. Você tem também um olho de vidro?
Olho
de vidro? Não, por quê? Talvez eu seja um pouco míope, mas não
tenho olho de vidro.
Meu
avô cantava uma música de Carnaval que era assim: eu sou o pirata
da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau...
Também
não tenho cara de mau, ele disse.
Vamos
para a cama, cyborg, Vivi disse, rindo.
Não
vou conseguir, ele disse.
Foram
mais ardentes do que em todas as ocasiões anteriores. No dia
seguinte mais ainda. A tensão dele acabara, não havia mais uma
rígida disciplina de movimentos a ser seguida. Ele, afinal, podia
experimentar a mesma voluptuosidade langorosa que ela sentia.
Vivi
mudou-se para a casa dele. Juntos, passaram os dois, completamente
nus, a tomar banho, a ler, ver filmes, cozinhar, arrumar a casa,
dançar. Vivi só não o ensinou a dançar tango, alegando que também
não sabia, e foi a única mentira que lhe disse. Vestiam-se apenas
para trabalhar fora ou fazer compras. Quando iam dormir, Vivi o
ajudava a tirar a perna mecânica, antes de fazerem amor.
Rubem Fonseca, in Pequenas Criaturas
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