segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Ilusão à toa | Johnny Alf, 1961


Um dos mais talentosos e originais compositores da música brasileira, o carioca Johnny Alf (Alfredo José da Silva, 1929-2010) teve a sorte de nascer com uma voz e um dom musical raros. Mas, sendo negro, pobre e gay em pleno Brasil dos anos 1950, estava destinado a jamais conquistar sucesso popular e sequer receber o devido reconhecimento crítico.
No fim da vida, aos 80 anos, Johnny, que sempre evitou discussões sobre sua sexualidade, admitia o que alguns percebiam na letra desta canção sobre um amor secreto, trancado no armário. Nas entrelinhas, o genial e tímido pianista cantava a melodia sinuosa de seus sentimentos por um amigo também músico, que nem desconfiava daquele amor discreto de uma só pessoa.
Em 1961, ano em que lançou “Ilusão à toa”, no seu primeiro álbum solo, Rapaz de bem, a homossexualidade, mais do que um tabu, ainda era um crime previsto pela legislação então vigente no Brasil. Sem levantar bandeira alguma, “Ilusão à toa” se afirma como uma grande canção de amor, acima e além do gênero dos envolvidos. E, ao longo das últimas cinco décadas e meia, tem embalado muitos corações apaixonados de todos os sexos e gerações.
Regravada por dezenas de intérpretes – Isaurinha Garcia, Marcos Valle, Elizeth Cardoso, Sylvia Telles, Leny Andrade, Emílio Santiago, Elis Regina, Gal Costa, Caetano Veloso, Fafá de Belém, entre outros –, “Ilusão à toa” inspirou pelo menos duas novas canções:
O sucesso dos anos 1980 “Um certo alguém”, de Lulu Santos e Ronaldo Bastos, tem seu título tirado da abertura da letra de Alf: “Eu acho engraçado quando um certo alguém se aproxima de mim…”
Já no século XXI, Caetano se inspirou no verso “… a conduzir o nosso amor discreto” para o título de sua canção “Amor mais que discreto”, que também fala de um amor gay.
Mesmo sendo de família pobre e órfão de pai, Johnny teve boa formação cultural. Completou o ensino médio em uma das mais concorridas escolas públicas do Rio, estudou piano clássico desde os 9 anos, aprendeu inglês e se encantou com o jazz e os standards de Cole Porter e Gershwin, que ouvia no rádio e nas trilhas sonoras de Hollywood. No fim dos anos 1940, decidiu que viveria de música, como pianista e cantor na noite de Copacabana, e logo atraiu a atenção de outros jovens músicos, como Tom Jobim, João Donato e Carlos Lyra, fascinados pela originalidade de seu estilo.
Precursor das harmonias jazzísticas e dissonantes que anteciparam a bossa nova, pianista refinado e cantor de voz de veludo com um fraseado musical sinuoso e cheio de efeitos, Johnny Alf deixou uma obra relativamente pequena em número e grandiosa em qualidade, como um dos maiores estilistas da música brasileira.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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