Um
dos mais talentosos e originais compositores da música brasileira, o
carioca Johnny Alf (Alfredo José da Silva, 1929-2010) teve a sorte
de nascer com uma voz e um dom musical raros. Mas, sendo negro, pobre
e gay em pleno Brasil dos anos 1950, estava destinado a jamais
conquistar sucesso popular e sequer receber o devido reconhecimento
crítico.
No
fim da vida, aos 80 anos, Johnny, que sempre evitou discussões sobre
sua sexualidade, admitia o que alguns percebiam na letra desta canção
sobre um amor secreto, trancado no armário. Nas entrelinhas, o
genial e tímido pianista cantava a melodia sinuosa de seus
sentimentos por um amigo também músico, que nem desconfiava daquele
amor discreto de uma só pessoa.
Em
1961, ano em que lançou “Ilusão à toa”, no seu primeiro álbum
solo, Rapaz de bem, a homossexualidade, mais do que um tabu,
ainda era um crime previsto pela legislação então vigente no
Brasil. Sem levantar bandeira alguma, “Ilusão à toa” se afirma
como uma grande canção de amor, acima e além do gênero dos
envolvidos. E, ao longo das últimas cinco décadas e meia, tem
embalado muitos corações apaixonados de todos os sexos e gerações.
Regravada
por dezenas de intérpretes – Isaurinha Garcia, Marcos Valle,
Elizeth Cardoso, Sylvia Telles, Leny Andrade, Emílio Santiago, Elis
Regina, Gal Costa, Caetano Veloso, Fafá de Belém, entre outros –,
“Ilusão à toa” inspirou pelo menos duas novas canções:
O
sucesso dos anos 1980 “Um certo alguém”, de Lulu Santos e
Ronaldo Bastos, tem seu título tirado da abertura da letra de Alf:
“Eu acho engraçado quando um certo alguém se aproxima de mim…”
Já
no século XXI, Caetano se inspirou no verso “… a conduzir o
nosso amor discreto” para o título de sua canção “Amor mais
que discreto”, que também fala de um amor gay.
Mesmo
sendo de família pobre e órfão de pai, Johnny teve boa formação
cultural. Completou o ensino médio em uma das mais concorridas
escolas públicas do Rio, estudou piano clássico desde os 9 anos,
aprendeu inglês e se encantou com o jazz e os standards de Cole
Porter e Gershwin, que ouvia no rádio e nas trilhas sonoras de
Hollywood. No fim dos anos 1940, decidiu que viveria de música, como
pianista e cantor na noite de Copacabana, e logo atraiu a atenção
de outros jovens músicos, como Tom Jobim, João Donato e Carlos
Lyra, fascinados pela originalidade de seu estilo.
Precursor
das harmonias jazzísticas e dissonantes que anteciparam a bossa
nova, pianista refinado e cantor de voz de veludo com um fraseado
musical sinuoso e cheio de efeitos, Johnny Alf deixou uma obra
relativamente pequena em número e grandiosa em qualidade, como um
dos maiores estilistas da música brasileira.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário