Esta
canção-manifesto da bossa nova é um clássico dos mestres da
efêmera e fundamental dupla Tom Jobim e Newton Mendonça
(1927-1960). Cariocas e aquarianos do mesmo ano, Tom era lindo e
charmoso, e Newton, feioso e gorducho; juntos assinaram outra pedra
fundamental do estilo, “Samba de uma nota só”, e mais alguns
exemplos perfeitos da mescla de sofisticação e apelo pop com
“Meditação”, “Discussão”, “Caminhos cruzados” e “Foi
a noite”. Mas é a música “Desafinado”, lançada por João
Gilberto em fevereiro de 1959, que melhor representa as conquistas
estéticas de um estilo que sintetizava, com leveza e humor, o samba
com cool jazz, clássicos impressionistas e minimalismo, na voz e no
violão de João.
“Desafinado”
é o pedido bem-humorado de um cantor para que a amada de ouvido
privilegiado perdoe sua falta de afinação na música e na vida. Ao
mesmo tempo, Tom e Newton rebatem didática, espirituosa e
musicalmente muitas das críticas feitas à bossa nova tanto pela
imprensa quanto pelo meio musical. As estranhezas que soavam
antimusicais para muitos críticos eram bossa nova, eram muito
naturais para aquele núcleo de jovens criadores. Música e letra em
perfeita sincronia brincam com a ideia do título, forçando o limite
da afinação no fraseado musical, como no verso inicial “Se você
disser que eu desafino, amor”, que pode levar tanto ouvintes quanto
intérpretes ao erro. Muitos desavisados comentavam que João
Gilberto, o mais afinado dos cantores brasileiros, era “desafinado”,
confundindo o efeito com o defeito.
“Você
com a sua música esqueceu o principal / Que no peito dos desafinados
/ No fundo do peito bate calado / Que no peito dos desafinados também
bate um coração.”
Sucesso
também nos Estados Unidos, a partir da gravação instrumental do
saxofonista Stan Getz com o guitarrista Charlie Byrd, lançada num
single em 1962, que vendeu mais de um milhão de cópias e
faturou um Grammy de “melhor performance de jazz”, “Desafinado”
foi uma das pontas de lança para espalhar a bossa nova nos Estados
Unidos. Ganhou duas versões em inglês: “Slightly Out of Tune”,
do cantor Jon Hendricks, e a que vingou, mais fiel à ideia original,
“Off Key”, por Gene Lees, orientado por Tom Jobim.
“Desafinado”,
Johnny Alf, que Tom adorava, certamente merece levar algum crédito,
pois “Rapaz de bem”, que Alf gravara em 1955, era uma canção
pioneira de melodia sinuosa e jazzística sobre sequências de
acordes dissonantes, que se alinha bem com o espírito de
“Desafinado”. Anos depois, recebeu letra de Ronaldo Bôscoli e
uma nova introdução, feita por Tom Jobim.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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