sábado, 10 de setembro de 2022

Desafinado | Tom Jobim e Newton Mendonça, 1959


Esta canção-manifesto da bossa nova é um clássico dos mestres da efêmera e fundamental dupla Tom Jobim e Newton Mendonça (1927-1960). Cariocas e aquarianos do mesmo ano, Tom era lindo e charmoso, e Newton, feioso e gorducho; juntos assinaram outra pedra fundamental do estilo, “Samba de uma nota só”, e mais alguns exemplos perfeitos da mescla de sofisticação e apelo pop com “Meditação”, “Discussão”, “Caminhos cruzados” e “Foi a noite”. Mas é a música “Desafinado”, lançada por João Gilberto em fevereiro de 1959, que melhor representa as conquistas estéticas de um estilo que sintetizava, com leveza e humor, o samba com cool jazz, clássicos impressionistas e minimalismo, na voz e no violão de João.
Desafinado” é o pedido bem-humorado de um cantor para que a amada de ouvido privilegiado perdoe sua falta de afinação na música e na vida. Ao mesmo tempo, Tom e Newton rebatem didática, espirituosa e musicalmente muitas das críticas feitas à bossa nova tanto pela imprensa quanto pelo meio musical. As estranhezas que soavam antimusicais para muitos críticos eram bossa nova, eram muito naturais para aquele núcleo de jovens criadores. Música e letra em perfeita sincronia brincam com a ideia do título, forçando o limite da afinação no fraseado musical, como no verso inicial “Se você disser que eu desafino, amor”, que pode levar tanto ouvintes quanto intérpretes ao erro. Muitos desavisados comentavam que João Gilberto, o mais afinado dos cantores brasileiros, era “desafinado”, confundindo o efeito com o defeito.
Você com a sua música esqueceu o principal / Que no peito dos desafinados / No fundo do peito bate calado / Que no peito dos desafinados também bate um coração.”
Sucesso também nos Estados Unidos, a partir da gravação instrumental do saxofonista Stan Getz com o guitarrista Charlie Byrd, lançada num single em 1962, que vendeu mais de um milhão de cópias e faturou um Grammy de “melhor performance de jazz”, “Desafinado” foi uma das pontas de lança para espalhar a bossa nova nos Estados Unidos. Ganhou duas versões em inglês: “Slightly Out of Tune”, do cantor Jon Hendricks, e a que vingou, mais fiel à ideia original, “Off Key”, por Gene Lees, orientado por Tom Jobim.
Desafinado”, Johnny Alf, que Tom adorava, certamente merece levar algum crédito, pois “Rapaz de bem”, que Alf gravara em 1955, era uma canção pioneira de melodia sinuosa e jazzística sobre sequências de acordes dissonantes, que se alinha bem com o espírito de “Desafinado”. Anos depois, recebeu letra de Ronaldo Bôscoli e uma nova introdução, feita por Tom Jobim.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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