domingo, 9 de maio de 2021

O Pequod encontra o Delícia

O ansioso Pequod continuava a navegar; os dias e as ondas rolantes passavam; o caixão salva-vidas ainda seguia em seu leve balanço; e outro navio, ao qual desgraçadamente haviam dado o equivocado nome de Delícia, foi avistado. À medida que se aproximava, todos os olhos se voltaram às grandes vigas, chamadas tesouras, que em certos navios baleeiros cruzam o tombadilho à altura de oito ou nove pés; servindo para levar botes sobressalentes, desaparelhados ou estragados.
Nas tesouras do navio estrangeiro distinguiam-se as vigas brancas e destroçadas e algumas tábuas lascadas do que fora um bote baleeiro; mas através dos destroços agora se podia ver tudo, como se vê através do esqueleto embranquecido, descarnado e meio desarticulado de um cavalo.
Viste a Baleia Branca?”
Olha!”, respondeu o capitão de faces encovadas, nas grades da popa; e com a trombeta apontou para os destroços.
Mataste-a?”
Ainda não foi forjado o arpão que há de fazê-lo”, respondeu o outro, olhando triste para uma rede arredondada no convés, cujos lados recolhidos alguns marinheiros calados se ocupavam em costurar juntos.
Não foi forjado!”, e, arrancando o ferro forjado por Perth da forquilha, Ahab brandiu-o exclamando – “Olha, ó, de Nantucket; aqui nesta mão eu seguro a morte dela! Temperadas em sangue e pelo raio foram estas farpas; e juro temperá-las pela terceira vez naquele lugar quente atrás da barbatana, onde a Baleia Branca mais sente sua vida maldita!”
Então que Deus te proteja, velho – vês aquilo?”, e apontou para a rede – “sepultarei apenas um dos cinco homens fortes, que ainda ontem estavam vivos, mas foram mortos antes do anoitecer. Apenas esse eu sepulto; o resto foi sepultado antes de morrer; estás navegando sobre seus túmulos.” Então, virando-se para a tripulação – “Estais prontos aí? Colocai a prancha na amurada e içai o corpo; assim – oh! Deus!”, adiantando-se em direção à rede com as mãos levantadas – “que a ressurreição e a vida…”
Preparar, para frente! Leme a barlavento!”, exclamou Ahab, como um raio, dirigindo-se aos seus homens.
Porém, o impulso súbito do Pequod não foi suficientemente rápido para escapar ao barulho produzido pelo cadáver caindo ao mar; nem suficientemente rápido, de fato, para evitar que algumas bolhas lhe borrifassem o casco, num batismo fantasmagórico.
Enquanto Ahab se afastava do triste Delícia, o estranho salva-vidas pendurado à popa do Pequod ganhou um relevo insólito.
Ah! Ali! Olhai ali, homens!”, gritou uma voz agourenta, em seu rastro. “Em vão, ó, forasteiros, fugis de nosso triste funeral; virais para nós vossas grades de popa para mostrar-nos o vosso caixão!”

Herman Melville, in Moby Dick

Nenhum comentário:

Postar um comentário