quinta-feira, 6 de maio de 2021

Didi

Durante anos da minha vida, Didi era só um: Didi Mocó. Belo e soberano. Nunca fiz a menor ideia de quem era Renato Aragão, mas Didi Mocó, sim, fazia parte da minha vida bem mais do que muito parente. A adolescência chegou e o posto de Didi foi tomado por Didi Wagner, então VJ da MTV, cujo corte de cabelo e tonalidade das luzes eu tento imitar até hoje, sem sucesso.
Depois de adulta, o posto de Didi ficou vago. Nenhum dos dois aparecia mais nos meus dias e eu até pensei em anunciar a vaga na Catho. Ainda bem que não fiz isso. Tinha 26 anos quando minha irmã engravidou e não demorou muito até que ela me anunciasse o delicioso posto de madrinha da Luísa.
Madrinha foi uma palavra pela qual nunca nutri nenhum grande afeto, porque a palavra madrinha na minha história foi substituída pela expressão Tia Rê, que era muito mais completa. Tia Rê, minha madrinha, é tão incansavelmente completa que me levava até para ver corridas de cavalo e jogar golfe quando eu era criança. Disney, McDonald’s, praia de Ipanema, banca de jornal, KFC, todos os filmes infantis do cinema – não faltou nenhum roteiro. Recentemente ela até comprou boas tábuas de madeira para cortarmos legumes na minha cozinha, para eu finalmente me livrar daquelas porcarias brancas de plástico riscado e cheiro encardido de cebola ultrapassada.
A palavra madrinha nunca me disse nada. Dinda também não me parecia grande coisa. Mas... Didi. Didi, sim. Didi dizia muito. Didi dizia tudo. Didi era um posto vago que me permitiria ter belos cabelos loiros, ser uma quase musa e ao mesmo tempo falar todas as besteiras possíveis, provocando as melhores gargalhadas daquela criança que ia nascer. Didi. Sim, eu queria ser Didi tanto quanto quis passar na OAB. Talvez até mais.
A Luísa levou um ano, um mês e uma semana para falar Didi. Foi no dia 23 de agosto de 2016, aniversário de Nelson Rodrigues, Tônia Carrero e Paula Toller. Estávamos num restaurante japonês, ela estava com um vestidinho florido de algodão que eu havia comprado uma semana antes e se divertia segurando uma fatia molenga de peixe branco. Didi. Didi. Ela disse: Didi.
Hoje completo três meses e cinco dias de Didi e um ano, quatro meses e doze dias como madrinha da Luísa. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Somos madrinhas por concessão dos pais. Somos Didi ou Tia Rê por conquista. Obrigada aos pais por me deixarem ser madrinha do bichinho. Obrigada, bichinho, por me reconhecer como sua Didi. A Didi é bem mais legal que a Ruth Manus. Obrigada por me fazer encontrá-la aqui dentro.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

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