O velho galo cantou no pátio de Madame
Hortência. O dia entrava agora, todo branco, pela pequena janela.
Levantei-me de um pulo.
Os trabalhadores começavam a surgir com
suas picaretas, suas alavancas, suas pás. Ouvi Zorba dando ordens.
Havia desde logo se entregado às suas tarefas; sentia-se nele o
homem que sabe comandar e que gosta da responsabilidade.
Pus a cabeça pela janelinha e o vi em
pé, gigantesco ciclope no meio de uns trinta homens magros, rudes,
mal-amanhados, de compleição fina. Seu braço apontava imperioso,
suas palavras eram breves e precisas. Num dado momento apanhou pela
nuca um rapazote que murmurava e hesitava.
— Tem alguma coisa a dizer? — gritou
ele. — sem tem, diga alto! Resmungos não me agradam. Para
trabalhar é preciso disposição. Se não tem, vá logo para o
botequim.
Nesse momento apareceu Madame Hortência,
descabelada, rosto inchado, sem pintura, vestida com uma ampla
camisola suja e arrastando uma espécie de chinelas deformadas.
Tossiu a tosse rouca das velhas cantoras, parecendo um zurro, parou e
olhou Zorba com orgulho. Seus olhos se enterneceram. Tossiu de novo
para que ele ouvisse, e passou por ele balançando-se e sacudindo o
traseiro.
Quase o tocou. Mas ele nem se voltou para
olhá-la. Tomou de um operário um pedaço de pão e umas azeitonas.
— Vamos embora, rapazes! — gritou ele
— façam o seu sinal da cruz!
E em grandes passadas arrastou a turma em
linha reta para a montanha.
Não descreverei aqui o trabalho da mina.
Para isso é preciso paciência e eu não a tenho. Havíamos
construído com tábuas, palha e latas velhas um barracão perto do
mar. Ao erguer-se o dia, Zorba acordava, apanhava sua picareta e ia
para a mina antes dos operários; abria uma galeria, abandonava-a,
achava um veio de linhita brilhante como hulha e dançava de alegria.
Dias depois o veio se perdia e Zorba se atirava ao chão, de pernas
para o ar, e com os pés e as mãos dava bananas ao céu. Havia
tomado o trabalho ao peito. Nem me consultava mais.
Desde os primeiros dias, as
responsabilidades haviam passado de minhas mãos para as dele. Era
dele a tarefa de decidir e executar. A minha de pagar pelos potes
quebrados — o que de resto não me agradava — pois, sabia-o bem,
esses meses seriam os mais felizes de minha vida. Assim, feitas as
contas, tinha consciência de que estava comprando barato a minha
felicidade.
Meu avô materno, que habitava uma
cidadezinha de Creta, pegava toda noite seu lampião e dava a volta
nas ruas, para ver se algum estrangeiro havia por acaso chegado. Ele
o levava para casa, dava-lhe de comer e beber com abundancia, depois
do que se sentava no divã, acendia o seu longo chíbuque, virava-se
para seu hóspede — para quem havia chegado o momento de pagar —
e dizia-lhe imperiosamente:
— Conta!
— Contar o que, Pai Mustoyoryi?
— O que você é, quem você é, de
onde vem, que cidades e que terras viram os seus olhos, tudo. Conta
tudo. Vamos, fala!
E o hóspede começava a contar, às
cambulhadas, verdades e mentiras, enquanto meu avô fumava seu
chíbuque, e escutava, viajando com ele, tranquilamente sentado em
seu divã. E, se o hóspede lhe agradava, dizia:
— Você fica amanhã também, você não
pode partir. Você ainda tem coisa para me contar.
Meu avô nunca saiu de sua cidade. Nem
mesmo foi a Cândia ou a Caneia. “Ir lá para que? Dizia. Candianos
e caneenses passam por aqui, e Cândia e Caneia vêm a minha casa.
Não preciso ir lá eu mesmo!”
Mantenho hoje, sobre a costa cretense,
essa mania de meu avô.
Eu também encontrei um hóspede, como se
o tivesse procurado à luz de um lampião. Não o deixo partir. Ele
me custa bem mais caro que um jantar, mas vale. Cada noite o espero
após o trabalho, faço-o sentar-se diante de mim, comemos e,
chegando o momento da paga, eu lhe digo: “Conta”. Fumo o meu
cachimbo e escuto. Ele explorou bem a terra, esse hóspede, e
explorou bem a alma humana. Não me canso de ouvi-lo.
— Conta, Zorba! Conta!
E quando ele abre a boca toda a Macedônia
abre-se diante de mim, se instala no pequeno espaço entre Zorba e eu
com suas montanhas, suas florestas e torrentes, seus comitadjis, suas
mulheres duras no trabalho e seus homens maciços e rudes. O monte
Athos também, com seus vinte e um mosteiros, seus arsenais e seus
madraços traseirudos. Zorba abre o colarinho ao terminar as
histórias de monges e diz, às gargalhadas: “Deus te guarde,
patrão, do traseiro das mulas e do que os monges tem na frente!”
Nikos Kazantzakis, in Zorba, O Grego
Nenhum comentário:
Postar um comentário