Ilustração: Fernando Vilela
Nordestina
era uma cidadezinha desse tamanhinho assim da qual se dizia: eita
lugarzinho sem futuro. Antônio ouviu dizer isso desde pequeno e deu
por certo o fato.
Pra
chegar a Nordestina tinha que se andar bem muito.
É
claro que ninguém fazia isso. O que é que a pessoa ia fazer num
lugar que não tinha nada pra fazer? No entanto, quem fazia o caminho
inverso contava pros outros o quanto tinha andado, e então se
deduzia que se o caminho de saída era um, o caminho de chegada só
podia ser o mesmo.
Antônio
trabalhava na prefeitura da cidade, sendo pra folha de pagamento o
funcionário de número 19.
Pro
prefeito ele era o moço do café.
Pro
povo em geral era Antônio de dona Nazaré. Pra dona Nazaré era seu
filho mais velho. Toda noite dona Nazaré pedia a Deus por um filho
seu, de modo que a cada um cabiam dois pedidos por mês mais um terço
de pedido. Na falta de pedido retalhado, deixava juntar três meses e
então fazia mais um, inteiro, pra cada filho. Nos meses de três
pedidos — abril, agosto e dezembro — ela aproveitava pra pedir
saúde, dinheiro e felicidade. Nos outros nove meses do ano os
meninos tinham que se contentar com saúde e dinheiro somente, o que
nunca coincidia com a realidade, pois se dona Nazaré fosse mesmo boa
de pedido, há muito tempo Deus lhe teria enviado uma geladeira nova.
Mesmo assim ela pedia, por costume, por insistência, porque, se
deixasse de pedir, Deus podia esquecer que eles existiam, motivo é
que não lhe faltava.
Se
palavra gastasse, duvido que tivesse sobrado algum adeus em
Nordestina, haja vista a frequência com que se usava naquele tempo
essa palavra.
Era
tanta gente indo embora que o povo até se acostumou com os vazios
que ficavam e iam tomando conta da cidade, apagando cheiros,
transformando em memória frases, olhares, gestos, e a cara daqueles
que não tinham retrato.
Nos
dias de faxina, e portanto principalmente nas quintas, sempre
apareciam objetos esquecidos por um ou outro dos que já tinham se
ido, que só serviam pra devolver de rancores a abandonos superados.
A esses objetos se davam diferentes fins, sendo o mais comum o fundo
de uma gaveta, e o mais doído, a navalhada.
Os
motivos da debandagem generalizada às vezes viravam bilhetes e
alguns eram furiosamente rasgados. O motivo escrito quase sempre era
um arremedo do verdadeiro e tinha por maior utilidade consolar o
destinatário do que dar a se entender o remetente, pois como é que
se explica, diga mesmo, que o motivo de ir embora era só o nada?
Algumas
partidas eram anunciadas com antecedência devido à quantidade de
providências a serem tomadas. As notícias se espalhavam de várias
formas.
Vende-se
mesa de fórmica c/ 4 cadeiras, sofá 2 lug., cama casal, berço,
fogão e geladeira. Ótimo estado. Tratar c/ Lurdinha no cartório.
Vendo
urgente casa perto da bica. Quarto, sla., quintal, banheiro dentro.
Pechincha. Rua da Travessa, 38.
Vendo
fiteiro ótimo ponto lucro excelente.
Fundos
da Prefeitura. Falar com Marconi no local.
Por
motivo de viagem vendo gado bom danado. Dois bois, três vacas, um
garrote.
Nos
primeiros meses, os que tinham se ido costumavam ligar aos domingos,
quase sempre a cobrar, pra casa de uma vizinha. Depois as notícias
iam se espaçando e se dizia deles que tinham sumido no oco do mundo,
que já devia estar cheio, inclusive.
Quem
olhava pro horizonte em Nordestina, querendo ou não, imaginava uma
linha perpendicular a ele, a linha traçada pelo destino dos que se
importavam com o destino, de modo que o povo de Nordestina todinho
tinha o horizonte por uma cruz, e não por uma linha, e era por esse
motivo que o verbo cruzar cabia em todo tipo de entendimento.
Entre
Nordestina e a cidade que ficava antes dela, tinha uma placa com os
dizeres “Bem-vindo a Nordestina”. Há quem diga que até o tempo
de Antônio quase ninguém tomou conhecimento da existência dessa
placa. O povo que morava da placa pra dentro imaginava uma risca no
chão que separava Nordestina do resto do mundo.
O
povo que morava da placa pra fora não imaginava nada, jamais pensou
no assunto, e não tinha a menor ideia de que pra lá dali ainda
tinha mais um pouco.
Adriana
Falcão, in A máquina
Quero resumo explica o do texto
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