sábado, 7 de abril de 2018

Felicidade química

Os cientistas sociais distribuem questionários de bem-estar subjetivo e correlacionam os resultados com fatores socioeconômicos como riqueza e liberdade política. Os biólogos usam os mesmos questionários, mas correlacionam as respostas fornecidas pelas pessoas com fatores bioquímicos e genéticos. Suas descobertas são chocantes.
Os biólogos sustentam que nosso mundo mental e emocional é governado por mecanismos bioquímicos definidos por milhões de anos de evolução. Como todos os outros estados mentais, nosso bem-estar subjetivo não é determinado por parâmetros externos como salário, relações sociais ou direitos políticos. Em vez disso, é determinado por um complexo sistema de nervos, neurônios, sinapses e várias substâncias bioquímicas como serotonina, dopamina e oxitocina.
Ninguém fica feliz por ganhar na loteria, comprar uma casa, obter uma promoção ou encontrar o amor verdadeiro. As pessoas ficam felizes por um único motivo: sensações agradáveis em seu corpo. Uma pessoa que acabou de ganhar na loteria ou de encontrar um novo amor e pula de alegria na verdade não está reagindo ao dinheiro ou ao fato de ser amado. Está reagindo a vários hormônios que inundam sua corrente sanguínea e à tempestade de sinais elétricos pipocando em diferentes partes do seu cérebro.
Contrariando todas as esperanças de se criar o céu na terra, nosso sistema bioquímico interno parece estar programado para manter os níveis de felicidade relativamente constantes. Não existe seleção natural para a felicidade como tal – a linhagem genética de um ermitão feliz entrará em extinção quando os genes de pais ansiosos forem transmitidos para a geração seguinte. A felicidade e a infelicidade exercem um papel na evolução somente na medida em que encorajam ou desencorajam a sobrevivência e a reprodução. Talvez não cause surpresa, então, que a evolução tenha nos moldado para sermos nem felizes demais, nem infelizes demais. Ela nos permite sentir um ímpeto momentâneo de sensações agradáveis, mas estas nunca duram para sempre. Mais cedo ou mais tarde, diminuem e dão lugar a sensações desagradáveis.
Por exemplo, a evolução proporcionava sensações agradáveis como recompensa para os machos que disseminavam seus genes tendo relações sexuais com fêmeas férteis. Se o sexo não fosse acompanhado de tal prazer, poucos machos se importariam com isso. Ao mesmo tempo, a evolução tratou de fazer com que essas sensações de prazer desaparecessem rapidamente. Se os orgasmos durassem para sempre, os machos muito felizes morreriam de fome por falta de interesse por comida e não se dariam ao trabalho de procurar outras fêmeas férteis.
Alguns estudiosos comparam a bioquímica humana a um sistema de ar-condicionado que mantém a temperatura constante, venha uma onda de calor ou uma tempestade de neve. Os eventos climáticos podem mudar a temperatura momentaneamente, mas o sistema de ar-condicionado sempre faz com que a temperatura retorne ao mesmo ponto predefinido.
Alguns sistemas de ar-condicionado estão configurados para 25 graus Celsius. Outros estão configurados para 20 graus. Os sistemas de condicionamento da felicidade humana também diferem de pessoa para pessoa. Em uma escala de 1 a 10, algumas pessoas nascem com um sistema bioquímico alegre que permite que seu humor oscile entre os níveis 6 e 10, estabilizando-se, com o tempo, no nível 8. Tal pessoa é muito feliz mesmo que viva em uma cidade grande alienante, perca todo o dinheiro em uma queda da bolsa de valores e seja diagnosticada com diabetes. Outras pessoas são amaldiçoadas com uma bioquímica melancólica que oscila entre 3 e 7 e se estabiliza em 5. Tal pessoa infeliz permanece deprimida mesmo que desfrute do apoio de uma comunidade coesa, ganhe milhões na loteria e seja tão saudável quanto um atleta olímpico. Na verdade, mesmo que nosso amigo deprimido ganhe 50 milhões de dólares de manhã, descubra a cura para a Aids e o câncer antes do meio-dia, sele a paz entre israelenses e palestinos à tarde e, à noite, reencontre seus filhos que desapareceram há anos – ainda seria incapaz de experimentar qualquer coisa além do nível 7 de felicidade. Seu cérebro simplesmente não é projetado para a euforia, aconteça o que acontecer.
Pense por um instante em sua família e seus amigos. Você conhece algumas pessoas que estão sempre relativamente alegres, não importa o que aconteça com elas. E há aquelas que estão sempre insatisfeitas, não importa que dádivas o mundo deite a seus pés. Tendemos a acreditar que, se pudéssemos ao menos mudar de trabalho, nos casar, terminar de escrever aquele romance, comprar um carro novo ou quitar a hipoteca, estaríamos nas nuvens. Mas, quando conseguimos o que desejamos, não parecemos mais felizes. Comprar carros e escrever romances não muda nossa bioquímica. Pode estimulá-la por um breve instante, mas logo voltamos ao ponto inicial. Como isso pode ser compatível com as descobertas sociológicas e psicológicas mencionadas anteriormente, de que, por exemplo, as pessoas casadas são, em média, mais felizes do que as solteiras? Primeiro, essas descobertas são correlações – a direção causal pode ser o oposto do que alguns pesquisadores presumiram. É verdade que as pessoas casadas são mais felizes que as solteiras e as divorciadas, mas isso não necessariamente significa que o casamento produz felicidade. Pode ser que a felicidade gere casamento. Ou, mais corretamente, que a serotonina, a dopamina e a oxitocina viabilizem e mantenham um casamento. As pessoas que nasceram com uma bioquímica alegre geralmente são felizes e contentes. Tais pessoas são companhias mais atraentes e, em consequência, têm uma chance maior de se casarem. Também têm menos probabilidade de se divorciarem, porque é muito mais fácil conviver com alguém feliz e contente do que com alguém deprimido e insatisfeito. Em consequência, é verdade que as pessoas casadas são, em média, mais felizes que as solteiras, mas uma mulher solteira com tendência à depressão em função de sua bioquímica não necessariamente ficaria mais feliz se tivesse um marido.
Além disso, a maioria dos biólogos não são fanáticos. Eles sustentam que a felicidade é determinada principalmente pela bioquímica, mas concordam que fatores psicológicos e sociológicos também têm seu lugar. Nosso sistema mental de ar-condicionado tem certa liberdade de movimento dentro de limites predeterminados. É quase impossível exceder os limites de emoção superiores e inferiores, mas casamento e divórcio podem ter influência sobre a área entre os dois. Uma pessoa nascida com uma média de nível 5 de felicidade jamais dançaria loucamente nas ruas. Mas um bom casamento poderia possibilitar que ela desfrutasse do nível 7 de tempos em tempos e que evitasse o desânimo do nível 3.
Yuval Noah Harari, in Sapiens – Uma breve história da humanidade

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