Os
casais terminam se odiando porque eles se reduzem. Se no começo
ambos enxergam apenas o lado bom e se apaixonam, com a convivência,
tomam gosto pela agressão gratuita. Não que o lado bom tenha
desaparecido, é que não tem mais graça.
Com
o pretexto da franqueza, preparam o veneno. Há uma esperança
enganosa de que o pedido de desculpas apague a grosseria, que a
compreensão abole a ofensa, que a cumplicidade é maior do que as
adversidades.
Não
fazem por mal, mas fazem. Espancam o primeiro que aparece pela
frente. O primeiro que aparece é sempre um ou o outro. Afinal, são
os únicos que estão em casa.
Como
se conhecem perfeitamente, os dois passam a listar os defeitos numa
discussão ou numa tola conversa. Como se os defeitos dependessem de
reprise.
Ele
dá uma opinião sobre o casamento e ela o desqualifica, avisando que
ele não tem base moral na família para dizer isso. E mexe os galhos
podres sobre sua cabeça.
Ela
chega com mechas no cabelo e ele lembra que é a terceira vez em duas
semanas que ela volta do salão com um novo corte.
Ele
põe uma camisa listrada todo feliz e ela pergunta se ele sairá
desse modo ridículo.
Ela
está nervosa com as contas do cartão e ele vem com um sermão de
que ela gasta o desnecessário, sendo que parte do superficial são o
sorvete e as frescuras que ele pede no mercado.
Ele
recebe um elogio de uma mulher e ela, de pronto, chama a menina, que
nem conhece, de piranha e interesseira.
Ela
estaciona o carro numa brecha impossível. Ao invés de elogiar, ele
declara que é o mínimo que se pode fazer depois de 45 horas de
autoescola.
Ele
se sente um pouco mais musculoso, ela logo encontra com as mãos:
— Ainda
tem uma barriguinha.
Ela
compra lingerie e se assanha de perfume, ele confessa que teve um dia
cheio. Um dia cheio que não apaga a televisão.
Ele
tenta dançar, depois de inúmeras reclamações de que não se mexe
em festas.
— O
que você achou?, pergunta, eufórico, depois da balada.
—
Melhor ficar parado, ela diz, categórica.
Ela
é convidada para uma festa dos colegas e ele transforma sua ida em
favor e sacrifício. Claro que ela não se diverte, termina
entretendo o marido que não deseja se enturmar.
Os
casais não necessitam simular quando não se tem vontade. Mas é
sadomasoquismo reprovar de modo permanente quem amamos.
Ninguém
ajudará sua companhia falando a verdade, mas sendo a verdade.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus,
ai meu Jesus
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