Os
cientistas sociais distribuem questionários de bem-estar subjetivo e
correlacionam os resultados com fatores socioeconômicos como riqueza
e liberdade política. Os biólogos usam os mesmos questionários,
mas correlacionam as respostas fornecidas pelas pessoas com fatores
bioquímicos e genéticos. Suas descobertas são chocantes.
Os
biólogos sustentam que nosso mundo mental e emocional é governado
por mecanismos bioquímicos definidos por milhões de anos de
evolução. Como todos os outros estados mentais, nosso bem-estar
subjetivo não é determinado por parâmetros externos como salário,
relações sociais ou direitos políticos. Em vez disso, é
determinado por um complexo sistema de nervos, neurônios, sinapses e
várias substâncias bioquímicas como serotonina, dopamina e
oxitocina.
Ninguém
fica feliz por ganhar na loteria, comprar uma casa, obter uma
promoção ou encontrar o amor verdadeiro. As pessoas ficam felizes
por um único motivo: sensações agradáveis em seu corpo. Uma
pessoa que acabou de ganhar na loteria ou de encontrar um novo amor e
pula de alegria na verdade não está reagindo ao dinheiro ou ao fato
de ser amado. Está reagindo a vários hormônios que inundam sua
corrente sanguínea e à tempestade de sinais elétricos pipocando em
diferentes partes do seu cérebro.
Contrariando
todas as esperanças de se criar o céu na terra, nosso sistema
bioquímico interno parece estar programado para manter os níveis de
felicidade relativamente constantes. Não existe seleção natural
para a felicidade como tal – a linhagem genética de um ermitão
feliz entrará em extinção quando os genes de pais ansiosos forem
transmitidos para a geração seguinte. A felicidade e a infelicidade
exercem um papel na evolução somente na medida em que encorajam ou
desencorajam a sobrevivência e a reprodução. Talvez não cause
surpresa, então, que a evolução tenha nos moldado para sermos nem
felizes demais, nem infelizes demais. Ela nos permite sentir um
ímpeto momentâneo de sensações agradáveis, mas estas nunca duram
para sempre. Mais cedo ou mais tarde, diminuem e dão lugar a
sensações desagradáveis.
Por
exemplo, a evolução proporcionava sensações agradáveis como
recompensa para os machos que disseminavam seus genes tendo relações
sexuais com fêmeas férteis. Se o sexo não fosse acompanhado de tal
prazer, poucos machos se importariam com isso. Ao mesmo tempo, a
evolução tratou de fazer com que essas sensações de prazer
desaparecessem rapidamente. Se os orgasmos durassem para sempre, os
machos muito felizes morreriam de fome por falta de interesse por
comida e não se dariam ao trabalho de procurar outras fêmeas
férteis.
Alguns
estudiosos comparam a bioquímica humana a um sistema de
ar-condicionado que mantém a temperatura constante, venha uma onda
de calor ou uma tempestade de neve. Os eventos climáticos podem
mudar a temperatura momentaneamente, mas o sistema de ar-condicionado
sempre faz com que a temperatura retorne ao mesmo ponto predefinido.
Alguns
sistemas de ar-condicionado estão configurados para 25 graus
Celsius. Outros estão configurados para 20 graus. Os sistemas de
condicionamento da felicidade humana também diferem de pessoa para
pessoa. Em uma escala de 1 a 10, algumas pessoas nascem com um
sistema bioquímico alegre que permite que seu humor oscile entre os
níveis 6 e 10, estabilizando-se, com o tempo, no nível 8. Tal
pessoa é muito feliz mesmo que viva em uma cidade grande alienante,
perca todo o dinheiro em uma queda da bolsa de valores e seja
diagnosticada com diabetes. Outras pessoas são amaldiçoadas com uma
bioquímica melancólica que oscila entre 3 e 7 e se estabiliza em 5.
Tal pessoa infeliz permanece deprimida mesmo que desfrute do apoio de
uma comunidade coesa, ganhe milhões na loteria e seja tão saudável
quanto um atleta olímpico. Na verdade, mesmo que nosso amigo
deprimido ganhe 50 milhões de dólares de manhã, descubra a cura
para a Aids e o câncer antes do meio-dia, sele a paz entre
israelenses e palestinos à tarde e, à noite, reencontre seus filhos
que desapareceram há anos – ainda seria incapaz de experimentar
qualquer coisa além do nível 7 de felicidade. Seu cérebro
simplesmente não é projetado para a euforia, aconteça o que
acontecer.
Pense
por um instante em sua família e seus amigos. Você conhece algumas
pessoas que estão sempre relativamente alegres, não importa o que
aconteça com elas. E há aquelas que estão sempre insatisfeitas,
não importa que dádivas o mundo deite a seus pés. Tendemos a
acreditar que, se pudéssemos ao menos mudar de trabalho, nos casar,
terminar de escrever aquele romance, comprar um carro novo ou quitar
a hipoteca, estaríamos nas nuvens. Mas, quando conseguimos o que
desejamos, não parecemos mais felizes. Comprar carros e escrever
romances não muda nossa bioquímica. Pode estimulá-la por um breve
instante, mas logo voltamos ao ponto inicial. Como isso pode ser
compatível com as descobertas sociológicas e psicológicas
mencionadas anteriormente, de que, por exemplo, as pessoas casadas
são, em média, mais felizes do que as solteiras? Primeiro, essas
descobertas são correlações – a direção causal pode ser o
oposto do que alguns pesquisadores presumiram. É verdade que as
pessoas casadas são mais felizes que as solteiras e as divorciadas,
mas isso não necessariamente significa que o casamento produz
felicidade. Pode ser que a felicidade gere casamento. Ou, mais
corretamente, que a serotonina, a dopamina e a oxitocina viabilizem e
mantenham um casamento. As pessoas que nasceram com uma bioquímica
alegre geralmente são felizes e contentes. Tais pessoas são
companhias mais atraentes e, em consequência, têm uma chance maior
de se casarem. Também têm menos probabilidade de se divorciarem,
porque é muito mais fácil conviver com alguém feliz e contente do
que com alguém deprimido e insatisfeito. Em consequência, é
verdade que as pessoas casadas são, em média, mais felizes que as
solteiras, mas uma mulher solteira com tendência à depressão em
função de sua bioquímica não necessariamente ficaria mais feliz
se tivesse um marido.
Além
disso, a maioria dos biólogos não são fanáticos. Eles sustentam
que a felicidade é determinada principalmente pela bioquímica, mas
concordam que fatores psicológicos e sociológicos também têm seu
lugar. Nosso sistema mental de ar-condicionado tem certa liberdade de
movimento dentro de limites predeterminados. É quase impossível
exceder os limites de emoção superiores e inferiores, mas casamento
e divórcio podem ter influência sobre a área entre os dois. Uma
pessoa nascida com uma média de nível 5 de felicidade jamais
dançaria loucamente nas ruas. Mas um bom casamento poderia
possibilitar que ela desfrutasse do nível 7 de tempos em tempos e
que evitasse o desânimo do nível 3.
Yuval
Noah Harari,
in Sapiens
– Uma breve história da humanidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário