Tenho
9 anos. Meu nome é Gavrilo. Meu professor só hoje me permitiu uma
ida ao Jardim Botânico, por causa da minha redação sobre a fórmula
de Einstein. Elogiou em aula o meu trabalho porque, disse ele, em vez
de dar-lhe uma interpretação, como fazem todas as crianças, eu me
limitei a dizer que aquela simples fórmula era uma coisa tão
absurda e maravilhosa e inacreditável como as lendas pré-históricas,
por exemplo a Lâmpada de Aladino ou a Vida de Napoleão e seu Cavalo
Branco. Por isso começo hoje o meu diário, que eu devia ter
começado aos 7 anos. Mas nessa idade a gente só escreve coisas
assim: “A Adalgiza caminha como um saca-rolha” ou “Pusemos na
Inspetora Geral do Ensino o apelido de Dona Programática”. Pois lá
me fui com outros meninos e meninas que também tinham merecido
menção pública ao Jardim Botânico, que me pareceu pequeno porque
constava apenas de uma cúpula de vidro. Havia uma fila enorme de
turistas e visitantes domingueiros. Lá dentro não era apenas ar
condicionado, era um vento leve, uma “brisa”, explicou-nos o
professor. Uma brisa que agitava os cabelos da gente e as folhas da
árvore. Sim, porque lá dentro só havia uma árvore, a única
árvore do mundo e que se chamava simplesmente “a árvore”, pois
não havia razão para a diferenciar de outras. Suas folhas
agitavam-se e tinham um cheiro verde. Não sei se me explico bem. Não
importa: este diário é secreto e será queimado publicamente com
outros, de autoria dos meninos da minha idade, quando atingirmos os
13 anos. Dona Programática nos explicou a necessidade destes diários
porque, “para higiene da alma e preservação do indivíduo, todos
têm direito a uma vida secreta, ao contrário do que acontecia nos
tempos da Inquisição, da Censura, dos sucessores do Dr. Sigmund
Freud e dos entrevistadores jornalísticos”.
Isto
diz a Dona Programática. Mas o nosso professor de Redação, que não
é tão cheio de coisas, diz que estes nossos diários secretos
servem para a gente dizer besteiras só por escrito em vez de as
dizer em voz alta.
Na
próxima vez tratarei de fazer uma boa redação sobre a Árvore para
ver se ganho o prêmio de uma visita ao Zoo — onde está o Cavalo.
Andei indagando dos grandes sobre este nosso cavalo e me disseram que
não, que ele não era branco. Uma pena…
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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