18.
Encaro
serenamente, sem mais nada que o que na alma represente um sorriso, o
fechar-se-me sempre a vida nesta Rua dos Douradores, neste
escritório, nesta atmosfera desta gente. Ter o que me dê para comer
e beber, e onde habite, e o pouco espaço livre no tempo para sonhar,
escrever – dormir — que mais posso eu pedir aos Deuses ou esperar
do Destino?
Tive
grandes ambições e sonhos dilatados — mas esses também os teve o
moço de fretes ou a costureira, porque sonhos tem toda a gente: o
que nos diferença é a força de conseguir ou o destino de se
conseguir connosco.
Em
sonhos sou igual ao moço de fretes e à costureira. Só me distingue
deles o saber escrever. Sim, é um acto, uma realidade minha que me
diferença deles. Na alma sou seu igual.
Bem
sei que há ilhas ao Sul e grandes paixões cosmopolitas, e se eu
tivesse o mundo na mão, trocava-o, estou certo, por um bilhete para
Rua dos Douradores.
Talvez
o meu destino seja eternamente ser guarda-livros, e a poesia ou a
literatura uma borboleta que, pousando-me na cabeça, me torne tanto
mais ridículo quanto maior for a sua própria beleza.
Terei
saudades do Moreira, mas o que são saudades perante as grandes
ascensões?
Sei
bem que o dia em que for guarda-livros da casa Vasques e C.ª será
um dos grandes dias da minha vida. Sei-o com uma antecipação amarga
e irónica, mas sei-o com a vantagem intelectual da certeza.
Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego

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