Para
viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso,
muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor.
Para
viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois
ser de muitas, poxa! é de colher... – não tem nenhum valor.
Para
viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser
de sua dama por inteiro – seja lá como for. Há que fazer do corpo
uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com
uma espada – para viver um grande amor.
Para
viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o “velho
amigo”, que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o
grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não
esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra
chatear o grande amor.
Para
viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade
de que não existe amor sem fieldade – para viver um grande amor.
Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da
liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para
viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem
conhecedor de arte culinária e de judô – para viver um grande
amor.
Para
viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é
preciso também ter muito peito – peito de remador. É preciso
olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva
também, amortalhada no seu finado amor.
É
muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista –
muito mais, muito mais que na modista! – para aprazer ao grande
amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de
amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a
favor...
Conta
ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas,
molhos, strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de
melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma
rica, e gostosa, farofinha, para o seu grande amor?
Para
viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e
até ser, se possível, um só defunto – pra não morrer de dor. É
preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a
mente, pois qualquer “baixo– seu, a amada sente – e esfria um
pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e
conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia – para
viver um grande amor.
É
preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e
ser impermeável ao diz-que-diz-que – que não quer nada com o
amor.
Mas
tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não
se souber achar a bem-amada – para viver um grande amor.
Vinicius de Moraes, em Para viver um grande amor
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