sexta-feira, 25 de outubro de 2024

De velhas e novas tábuas


2.

Quando vim até os homens, encontrei-os sentados sobre uma velha presunção: todos eles presumiam, havia muito tempo, saber o que é bom e mau para o homem.
Toda conversa a respeito da virtude lhes parecia coisa velha e surrada; e quem queria dormir bem falava ainda de “bem” e “mal” antes de ir deitar-se.
Perturbei esta sonolência ao ensinar que ninguém sabe ainda o que é bom e mau — a não ser aquele que cria!
Mas esse é aquele que cria a meta para os homens e dá à terra seu sentido e seu futuro: apenas ele faz com que algo seja bom ou mau.
E disse-lhes para derrubar suas velhas cátedras e tudo aquilo em que se havia sentado aquela velha presunção; disse-lhes para rir de seus grandes mestres da virtude, santos, poetas e redentores do mundo.
De seus sombrios sábios também lhes disse para rir, e de quem alguma vez se sentara como negro espantalho, admoestando, na árvore da vida.
Sentei-me em sua grande avenida de túmulos e entre carcaças e abutres — e ri de todo o seu outrora e da cansada e arruinada magnificência deste.
Em verdade, como os pregadores e os loucos lancei gritos de raiva e lamento sobre todas as suas coisas grandes e pequenas, — o que têm de melhor é tão pequeno! o que têm de pior é tão pequeno! — desse modo eu ri.
Assim gritou e riu meu sábio anseio que nasceu nas montanhas, uma selvagem sabedoria, em verdade! — meu grande anseio com asas ruidosas.
E com frequência ele me arrastou consigo, para longe e para cima, em meio à risada: então voei trêmulo, uma flecha em êxtase embriagado de sol:
para distantes futuros que sonho nenhum viu, para Suis mais quentes do que jamais sonharam os artistas: lá onde os deuses dançantes se envergonham de toda vestimenta: —
pois falo por símiles e, como os poetas, claudico e gaguejo: e, em verdade, envergonho-me de ainda ter de ser poeta! —
Onde todo o vir-a-ser me parecia dança e exuberância de deuses, e o mundo, solto e desenfreado e fugindo de volta para si mesmo: —
como um eterno fugir e buscar novamente a si de muitos deuses, como o bem-aventurado contradizer-se, novamente escutar-se, novamente pertencer-se de muitos deuses: —
Onde todo o tempo me parecia uma bem-aventurada zombaria dos momentos, onde a necessidade era a própria liberdade, que venturosamente brincava com o aguilhão da liberdade: —
Onde reencontrei meu velho demônio e arqui-inimigo, o espírito de gravidade e tudo o que ele criou: coação, estatuto, necessidade, consequência, finalidade, vontade, bem e mal: —
Pois não tem de existir aquilo sobre o qual se dance e se ultrapasse dançando? Não têm de existir, em prol dos leves, levíssimos, toupeiras e pesados anões? — —

Friedrich Nietzsche, em Assim falou Zaratustra

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