Cannes
foi outra história. Recebi um telefonema de Pinchot, de lá.
– A
gente não espera ganhar, mas podemos chegar perto.
– Acho
que Jack Bledsoe pode ganhar como melhor ator.
– Corre
o boato de que os franceses vão dar a Palme d’Or a um dos seus.
Na
Firepower, o departamento de publicidade continuava a mandar várias
revistas especializadas me entrevistarem. Tendo quebrado alguns
vitrais de catedrais em minha época, as revistas sentiam que eu era
algo ou alguém que elas podiam provocar, alguém que ficaria
idiotamente bêbado, alguém que poderia ser convencido a dizer
alguma coisa estupidamente utilizável. E conseguiram, numa noite
estúpida. Eu disse alguma coisa negativa sobre um ator de quem
realmente gostava como pessoa e como ator. Foi uma coisinha à toa,
relativa apenas a uma pequena faceta dessa pessoa. Mas, como a mulher
dele me disse ao telefone: “Pode ser verdade, mas você não devia
ter dito”. Tinha razão, mas por outro lado não tinha. A gente
devia ter liberdade de falar livremente, em especial quando nos fazem
uma pergunta direta. Mas há a questão do tato. E depois a questão
do excesso de tato.
Diabos,
eu tinha sido continuamente atacado, durante todos aqueles anos, mas
de algum modo achava isso revigorante. Nunca achei que meus críticos
eram nada mais do que uns panacas. Se o mundo durar até o próximo
século, eu ainda estarei lá, e os velhos críticos estarão mortos
e esquecidos e substituídos por novos críticos, novos panacas.
Portanto,
eu sentia ter magoado o ator, mas talvez os atores sejam mais
sensíveis que os escritores. Espero que sim.
E
parei de dar entrevistas.
Na
verdade, dizia a todos que pediam que o preço era mil dólares a
hora. Eles perdiam logo o interesse.
E
então lá estava Jon Pinchot de novo no telefone, de Cannes.
– Temos
problemas...
– Quais?
– Jack
Bledsoe não quer sair do quarto do hotel pra ser entrevistado...
– Eu
entendo isso...
– Não,
espere... É porque ele não fala com ninguém que não tenha feito
uma boa crítica ao seu último filme. O problema é que ele não
teve muitas boas neste. Os repórteres estavam todos esperando no
saguão e ele disse: “Não, nada de entrevistas, vocês não me
entendem”. Um cara esticou a mão e disse: “Jack, eu fiz uma
crítica positiva de seu último filme”. Jack disse: “Tudo bem,
então eu dou uma entrevista a você”. E acertaram. Num certo café,
numa certa hora. O único problema é que Jack não apareceu.
– Jon,
eu acho que esses atores são mais sensíveis que os escritores ou
diretores...
– Sensíveis?
Bem, pode dizer que sim...
– Como
vai Francine?
– Ótima.
Ótima. Fala com todo mundo. Usa aqueles vestidos veranis. Fala bem
de todos nós. Sabe que fez um grande retorno. Sente que é a última
das grandes. Anda por aí feito uma deusa. É um grande espetáculo.
– Ééé.
Como vai Friedman?
– Oh,
está ótimo! Está em toda parte, falando e suando, acenando os
braços. É odiado por todos os poderosos daqui. Ao mesmo tempo, têm
medo dele por causa da sua tenacidade e energia. Ele perturba o sono
deles. Falam dele tomando seus drinques. Querem rasgar o rabo dele
com raios da morte.
– Não
têm a mínima chance. Mais alguma coisa?
– Só
Jack. Se ao menos conseguissem tirar ele do quarto do hotel.
Conseguimos com que finalmente concordasse em aparecer num dos
programas de TV mais populares da França. Ele concordou. Aí, não
apareceu.
– Por
que foi a Cannes, afinal?
– Ao
diabo se eu sei...
O
tempo passou, como costuma passar. O hipódromo ainda estava lá.
Reli também um pouco de James Thurber. Em sua melhor forma, ele era
muito engraçado. É uma vergonha que tivesse uma visão do mundo tão
classe média alta. Teria dado um mineiro de carvão do caralho.
Também
produzi um punhado de poemas. Tinham algum valor, acreditem. Impedem
a gente de ficar completamente louco.
É.
E
também, não. O filme não ganhou coisa alguma em Cannes.
E
Sarah começou a plantar novas flores e legumes no jardim.
E
nossos cinco gatos nos observavam com seus dez lindos olhos.
Charles Bukowski, in Hollywood
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