terça-feira, 2 de abril de 2024

Hollywood | 43


Cannes foi outra história. Recebi um telefonema de Pinchot, de lá.
A gente não espera ganhar, mas podemos chegar perto.
Acho que Jack Bledsoe pode ganhar como melhor ator.
Corre o boato de que os franceses vão dar a Palme d’Or a um dos seus.
Na Firepower, o departamento de publicidade continuava a mandar várias revistas especializadas me entrevistarem. Tendo quebrado alguns vitrais de catedrais em minha época, as revistas sentiam que eu era algo ou alguém que elas podiam provocar, alguém que ficaria idiotamente bêbado, alguém que poderia ser convencido a dizer alguma coisa estupidamente utilizável. E conseguiram, numa noite estúpida. Eu disse alguma coisa negativa sobre um ator de quem realmente gostava como pessoa e como ator. Foi uma coisinha à toa, relativa apenas a uma pequena faceta dessa pessoa. Mas, como a mulher dele me disse ao telefone: “Pode ser verdade, mas você não devia ter dito”. Tinha razão, mas por outro lado não tinha. A gente devia ter liberdade de falar livremente, em especial quando nos fazem uma pergunta direta. Mas há a questão do tato. E depois a questão do excesso de tato.
Diabos, eu tinha sido continuamente atacado, durante todos aqueles anos, mas de algum modo achava isso revigorante. Nunca achei que meus críticos eram nada mais do que uns panacas. Se o mundo durar até o próximo século, eu ainda estarei lá, e os velhos críticos estarão mortos e esquecidos e substituídos por novos críticos, novos panacas.
Portanto, eu sentia ter magoado o ator, mas talvez os atores sejam mais sensíveis que os escritores. Espero que sim.
E parei de dar entrevistas.
Na verdade, dizia a todos que pediam que o preço era mil dólares a hora. Eles perdiam logo o interesse.
E então lá estava Jon Pinchot de novo no telefone, de Cannes.
Temos problemas...
Quais?
Jack Bledsoe não quer sair do quarto do hotel pra ser entrevistado...
Eu entendo isso...
Não, espere... É porque ele não fala com ninguém que não tenha feito uma boa crítica ao seu último filme. O problema é que ele não teve muitas boas neste. Os repórteres estavam todos esperando no saguão e ele disse: “Não, nada de entrevistas, vocês não me entendem”. Um cara esticou a mão e disse: “Jack, eu fiz uma crítica positiva de seu último filme”. Jack disse: “Tudo bem, então eu dou uma entrevista a você”. E acertaram. Num certo café, numa certa hora. O único problema é que Jack não apareceu.
Jon, eu acho que esses atores são mais sensíveis que os escritores ou diretores...
Sensíveis? Bem, pode dizer que sim...
Como vai Francine?
Ótima. Ótima. Fala com todo mundo. Usa aqueles vestidos veranis. Fala bem de todos nós. Sabe que fez um grande retorno. Sente que é a última das grandes. Anda por aí feito uma deusa. É um grande espetáculo.
Ééé. Como vai Friedman?
Oh, está ótimo! Está em toda parte, falando e suando, acenando os braços. É odiado por todos os poderosos daqui. Ao mesmo tempo, têm medo dele por causa da sua tenacidade e energia. Ele perturba o sono deles. Falam dele tomando seus drinques. Querem rasgar o rabo dele com raios da morte.
Não têm a mínima chance. Mais alguma coisa?
Só Jack. Se ao menos conseguissem tirar ele do quarto do hotel. Conseguimos com que finalmente concordasse em aparecer num dos programas de TV mais populares da França. Ele concordou. Aí, não apareceu.
Por que foi a Cannes, afinal?
Ao diabo se eu sei...
O tempo passou, como costuma passar. O hipódromo ainda estava lá. Reli também um pouco de James Thurber. Em sua melhor forma, ele era muito engraçado. É uma vergonha que tivesse uma visão do mundo tão classe média alta. Teria dado um mineiro de carvão do caralho.
Também produzi um punhado de poemas. Tinham algum valor, acreditem. Impedem a gente de ficar completamente louco.
É.
E também, não. O filme não ganhou coisa alguma em Cannes.
E Sarah começou a plantar novas flores e legumes no jardim.
E nossos cinco gatos nos observavam com seus dez lindos olhos.

Charles Bukowski, in Hollywood

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