Zé,
essa é boa. O que danado a gente vai fazer em Lisboa? Bariloche e
Shangri-lá? Traslados para lá. Para cá. Travessia de barco pelos
Lagos Andinos? Nunca tinha ouvido falar em Viña del Mar. Valparaiso.
A gente não devia sair do lugar.
Quem
já viu se aventurar na Ilha do Cipó? Ilha do Marajó? Itacaré?
Fugir de dentada de jacaré? O que você quer, homem? Sem dinheiro,
chegar aonde? Não tem sentido. Oklahoma, nos Estados Unidos. É
delírio. Peregrinar até as múmias do Egito.
Que
história é essa de cruzeiro marítimo? Caribe, Terra dos Vikings?
Mediterrâneo? Enfrentar o Oceano Atlântico? Canadá, Canaã?
Deserto de Atacama? Que besteira! Ir para Bali, Beijing, Xian,
Xangai, Hong Kong.
Zé,
olhe bem defronte: que horizonte você vê, que horizonte? Pensa que
é fácil colocar nossos pés em Orlando? Los Angeles? Valle Nevado?
Que língua você vai falar no Cairo? Em Leningrado? Nem sei se
existe mais Leningrado.
Zé,
esquece.
Nada
de Andaluzia. Taiti. A gente fica é aqui. Que Sevilha? Roteiro
Europa Maravilha. Safári na África pra quê? Passar mais fome?
Leste Europeu, Escandinávia, PQP.
Presta
atenção: a gente nem conhece o Brasil direito. Bonito, Chapada
Diamantina. Dos Veadeiros. A gente não conhece a América Latina.
Guiana e Guiana Francesa. Não existe beleza. Não existe Rota do
Sol, Rota das Estrelas. Perca, atrase a viagem, Zé.
Não
parta.
Você
não vai para a Ilha de Malta, não vai. Eu não deixo. A vida da
gente é aqui mesmo. Sempre foi aqui mesmo. Não nascemos no Berço
da Civilização, Istambul e Capadócia.
Zé,
o que deu na tua cabeça, ora joça? Estamos longe de Miami, homem.
Acapulco e Suriname. Nosso destino é um só. A gente não tem dólar.
A gente não tem cartão. Deixa de imaginação. Você não tem medo
de avião? Tanta asa que cai pelo chão.
Atentado,
bomba em Bengasi, doença em Botsuana. Zé, estou sendo franca: olha
bem para nossa cara. Por que partir para a Dinamarca? Caracas?
Cancún, Congo?
Cachorro
a gente enterra em qualquer canto.
Enterra
aí no quintal, Zé. E pronto.
Marcelino Freire, in Contos Negreiros
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