sábado, 11 de novembro de 2023

1521 – Tlatelolco

A espada de fogo

O sangue corre como água e está ácida de sangue a água de beber. De comer, não resta mais que terra. Luta-se casa por casa, sobre as ruínas e os mortos, de dia e de noite. Já vão três meses de batalha sem tréguas. Só se respira pólvora e náuseas de cadáver; mas ainda ressoam os atabaques e os tambores nas últimas torres e os guisos de cascavel nos tornozelos dos últimos guerreiros. Não cessaram ainda os alaridos e as canções que dão força. As últimas mulheres empunham o machado de quem caiu.
O imperador Cuauhtémoc chama o melhor de seus capitães. Coroa sua cabeça com a coruja de longas plumas, e em sua mão direita coloca a espada de fogo. Com esta espada na mão, o deus da guerra saiu do ventre da mãe, lá no mais remoto dos tempos. Com esta serpente de raios de sol, Huitzilopochtli tinha decapitado sua irmã, a lua, e tinha despedaçado seus quatrocentos irmãos as estrelas, porque não queriam deixá-lo nascer.
Cuauhtémoc ordena:
Que a vejam nossos inimigos e que fiquem assombrados.
A espada de fogo abre seu próprio caminho. O capitão escolhido avança, sozinho, através da fumaça e dos escombros.
É derrubado por um disparo de arcabuz.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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