Encontrei
ali mais dois ex-colegas da escola. Eles pareciam conversar sobre
algo muito importante. Nenhum deles pareceu prestar muita atenção à
minha entrada, o que era estranho, pois fazia anos que não nos
víamos. Pelo visto, consideravam-me algo semelhante a uma mosca, das
mais comuns. Não me tratavam assim nem mesmo na escola, embora lá
todos me odiassem. É claro que eu compreendia que agora eles deviam
me desprezar devido ao meu fracasso na carreira de funcionário, e
também porque minha aparência era péssima, andava mal vestido, o
que, aos olhos deles, era um sinal evidente de minha incapacidade e
pouca importância. Mesmo assim, eu não esperava tal grau de
desprezo. Símonov até demonstrou espanto com a minha chegada. Antes
também ele sempre parecia de certo modo se espantar com minhas
visitas. Tudo isso me deixou desconcertado. Sentei-me com uma certa
angústia e fiquei ouvindo o que eles diziam.
Peguei
no meio uma conversa séria e até mesmo empolgada a respeito de um
jantar de despedida que aqueles senhores queriam organizar já para o
dia seguinte, em homenagem a um amigo, Zverkov, que servia no
exército como oficial e estava de partida para uma província
distante. Monsieur Zverkov tinha sido também meu colega
durante toda a escola. Passei a odiá-lo especialmente nas últimas
séries. Nos primeiros anos, ele era apenas um menino bonitinho e
esperto, de quem todos gostavam. Aliás, eu o odiava também nos
primeiros anos por ele ser bonitinho e esperto. Ele foi sempre um mau
estudante e, quanto mais velho, pior. Apesar de tudo, conseguiu
terminar o curso, pois era protegido de alguém importante. No último
ano ele recebeu de herança duzentas almas e, como a maioria de nós
era pobre, ele começou a fanfarronar até diante de nós. Era um
sujeito vulgar em alto grau, mas era também um bom rapaz, mesmo
quando fanfarronava. Entre os estudantes, apesar das demonstrações
externas, fantásticas e bombásticas de honra e amor-próprio, todo
mundo, com raras exceções, cortejava esse Zverkov e, quanto mais
ele fanfarronava, mais o cortejavam. E não buscavam alguma vantagem,
faziam aquilo apenas porque ele fora privilegiado pela natureza, que
lhe concedera aqueles dons. Acresce que entre nós ele era
considerado um especialista em formas corretas de agir e em boas
maneiras. Este último item me deixava furioso. Eu detestava sua voz
cortante, cheia de autoconfiança, sua adoração das próprias
piadas, na realidade terrivelmente idiotas, embora ele tivesse uma
língua ferina; odiava seu rosto bonito, mas bobinho (pelo qual,
aliás, eu trocaria de boa vontade o meu rosto inteligente), e suas
maneiras despachadas de oficial dos anos quarenta. Odiava quando ele
falava de seus futuros sucessos com as mulheres (ele não se decidia
a procurar mulheres enquanto não tivesse galões de oficial e
aguardava-os com impaciência) e também de que ele iria a cada
instante bater-se em duelo. Lembro-me de uma vez em que eu, que
ficava sempre calado, me engalfinhei de repente com Zverkov, que
conversava no tempo livre com os colegas sobre suas futuras aventuras
amorosas e, por farra, como um cãozinho novo que se espoja ao sol,
declarou que nenhuma das camponesas jovens de sua aldeia deixaria de
receber sua atenção, que isso era um droit de seigneur e
que, se os homens ousassem protestar, ele haveria de açoitar aqueles
canalhas barbudos um por um e cobraria seus tributos em dobro. Nossos
cretinos o aplaudiram por isso, mas eu me atraquei com ele, e não
foi por pena das moças e de seus pais, mas simplesmente porque um
inseto como aquele recebia tantos aplausos. Daquela vez eu venci, mas
Zverkov, embora fosse burro, era alegre e atrevido e soube se sair
bem por levar tudo na brincadeira, o que, verdade seja dita, diminuiu
um pouco a minha vitória. Depois disso, ele me subjugou várias
vezes, mas sem maldade, de brincadeira, ao passar por mim com um riso
nos lábios. Cheio de raiva, eu o desprezava com o meu silêncio. Na
ocasião de nossa formatura, ele demonstrou a intenção de se
aproximar de mim; não me opus frontalmente, porque o fato me deixou
lisonjeado, mas em seguida nos separamos naturalmente.
Mais
tarde, ouvi narrativas sobre seus sucessos na caserna e como tenente,
e também sobre suas farras. Depois ouvi outros boatos sobre
seus avanços na carreira. Ele já não me cumprimentava na
rua e eu desconfiava de que ele tinha medo de se comprometer se
mostrasse conhecer alguém tão insignificante como eu. Vi-o certa
vez no teatro, no terceiro balcão, já com alamares. Ele se curvava
e fazia mesuras para as filhas de um velho general. Nesses três anos
ele havia decaído muito, embora continuasse bastante bonito e ágil;
parecia inchado e começava a engordar. Via-se que, lá pelos trinta
anos, estaria completamente obeso. E era para esse Zverkov, que
finalmente estava de partida, que meus colegas queriam oferecer um
jantar. Eles sempre se encontraram durante esses três anos, embora
no fundo não se considerassem do mesmo nível que ele, estou certo
disso.
Um
dos outros dois visitantes de Símonov era Ferfítchkin, russo
descendente de alemães, de estatura baixa e cara de macaco, um
idiota que zombava de todo mundo. Era o meu pior inimigo desde as
primeiras séries – um calhorda insolente, um fanfarrãozinho que
encenava ter um amor-próprio muito sensível, embora lá no íntimo
fosse, evidentemente, o maior covarde. Era um dentre os admiradores
de Zverkov, que o bajulavam abertamente e estavam sempre lhe pedindo
dinheiro emprestado. O outro visitante de Símonov, Trudoliúbov, não
tinha nenhuma característica especial na sua personalidade. Era um
militar alto, com um rosto frio, bastante honesto, mas que se
inclinava diante de qualquer um que fosse bem-sucedido, e só era
capaz de conversar sobre produção. Era parente distante de Zverkov,
o que, embora isso pareça tolo, lhe conferia no nosso meio alguma
importância. Para ele, eu não era nada, embora me tratasse de uma
maneira, eu não diria polida, mas suportável.
– Vejamos,
se forem sete rublos de cada um – disse Trudoliúbov –, como
somos três, serão vinte e um rublos. Dá para jantar bem. Zverkov,
naturalmente, não vai pagar.
– Claro,
se fomos nós que o convidamos – decidiu Símonov.
– Vocês
acreditam mesmo – intrometeu-se Ferfítchkin de maneira arrogante e
veemente, como um lacaio insolente que se vangloria das condecorações
do seu patrão general – que Zverkov vai nos deixar pagar tudo? Ele
vai aceitar por delicadeza, mas, em compensação, vai pedir
champanhe por sua conta, uma meia dúzia.
– Ora,
para que meia dúzia para nós quatro? – observou Trudoliúbov, que
só prestara atenção na meia dúzia.
– Bom,
então somos três, quatro com Zverkov, são vinte e um rublos para o
Hôtel de Paris, amanhã às cinco horas – concluiu Símonov, que
tinha sido eleito organizador.
– Como
vinte e um? – disse eu, um tanto alterado e, creio, até mesmo meio
ofendido. – Se contarem comigo, não são vinte e um rublos, e sim
vinte e oito.
Julguei
que oferecer-me de repente, sem que ninguém esperasse, seria um
gesto até bem bonito e que todos eles imediatamente se renderiam a
mim e me olhariam com respeito.
– Por
acaso o senhor também quer ir? – perguntou Símonov aborrecido e
de certo modo evitando olhar para mim.
Ele
me conhecia de cor e salteado. Fiquei furioso por ele me conhecer tão
bem.
– E
por que não? Parece que eu também fui seu colega e confesso que até
me sinto ofendido por não terem me convidado – disse eu, começando
a me alterar de novo.
– Mas
onde nós poderíamos encontrá-lo? – intrometeu-se indelicadamente
Ferfítchkin.
– O
senhor nunca se deu bem com Zverkov – acrescentou Trudoliúbov,
franzindo o cenho.
Mas
eu já me agarrara à idéia e não a soltava.
– Acho
que ninguém tem o direito de julgar isso – objetei com voz
trêmula, como se algo terrível tivesse acontecido. Talvez seja
precisamente por não me ter dado bem com ele antes que agora eu
queira ir.
– Ora,
quem há de entendê-lo! O senhor com seus altos sentimentos... –
escarneceu Trudoliúbov.
– O
senhor será incluído – resolveu Símonov, dirigindo-se a mim. –
Amanhã, às cinco horas, no Hôtel de Paris. Não vá se enganar.
– E
quanto ao dinheiro? – começou Ferfítchkin para Símonov, a
meia-voz e indicando-me com a cabeça, porém não terminou, porque
até Símonov estava sem jeito.
– Basta
– disse Trudoliúbov, levantando-se. – Se deu tanta vontade assim
nele, que vá.
– Mas
nós somos um grupinho de amigos – disse Ferfítchkin furioso,
apanhando seu chapéu. Não era para ser uma reunião oficial. Pode
ser que não queiramos de jeito nenhum a sua presença...
Eles
se foram. Ferfítchkin saiu sem se despedir de mim e Trudoliúbov
fez-me um leve aceno de cabeça, sem me fitar. Símonov, com quem
fiquei frente a frente, estava meio perplexo e contrariado,
olhando-me de modo estranho. Permanecia de pé e não me convidou
para sentar.
– Hum...
é... amanhã, então? Quanto ao dinheiro, vai dar agora? É só para
eu saber com certeza – balbuciou confuso.
Fiquei
vermelho de raiva, mas nesse momento lembrei-me de que desde tempos
imemoriais eu devia a Símonov quinze rublos, que, aliás, eu nunca
havia esquecido, mas que tampouco nunca devolvera.
– O
senhor há de concordar que eu não podia saber quando aqui
cheguei... e estou muito aborrecido por ter esquecido...
– Está
bem, está bem, tanto faz. Pagará amanhã, no jantar. Perguntei só
para saber... O senhor, por favor...
Embatucou
de repente e ficou andando pela sala ainda mais contrariado. Ao
caminhar, pôs-se a equilibrar-se nos saltos dos sapatos e a batê-los
no chão.
– Estou
tomando seu tempo? – perguntei, quando já estávamos uns dois
minutos calados.
– Oh,
não! – exclamou ele, como que acordando. – Ou melhor, para dizer
a verdade, sim. É que eu ainda preciso dar uma passada... É aqui
perto... – acrescentou meio envergonhado, com voz de quem pede
desculpa.
– Oh,
meu Deus! Por que não me disse? – exclamei, pegando meu boné, com
um ar incrivelmente desinibido que baixou em mim vindo só Deus sabe
de onde.
– É
aqui pertinho... a dois passos daqui... – repetiu Símonov,
acompanhando-me até a saída com uma maneira agitada que não
combinava com ele. – Então, amanhã às cinco em ponto! –
gritou-me, enquanto eu descia a escada. Ele estava muito contente com
a minha saída. Quanto a mim, estava furioso.
– Mas
por que eu tinha de me meter nessa história?! – ia eu rangendo os
dentes pela rua. – E logo para aquele calhorda, aquele porco do
Zverkov! É evidente que não devo ir; é evidente que devo mandar
tudo isso às favas: sou obrigado a ir, por acaso? Amanhã mesmo
mando uma carta a Símonov, avisando.
Mas
o motivo verdadeiro da minha raiva era que eu tinha certeza absoluta
de que iria ao jantar; de que propositalmente iria; e, quanto mais
falta de tato e de decência houvesse na minha ida, mais vontade eu
tinha de ir.
E
tinha até um motivo de peso para não ir: não tinha dinheiro. Tudo
o que possuía eram nove rublos, mas no dia seguinte eu teria de
pagar ao meu criado Apollon sete rublos, seu salário mensal; ele
morava na minha casa, mas vivia às próprias custas.
Deixar
de pagar a Apollon era impossível, devido ao seu temperamento. Mas
em outra ocasião falarei sobre esse canalha, sobre essa praga na
minha vida.
Aliás,
eu sabia perfeitamente que não lhe daria o dinheiro e que não
faltaria ao jantar.
Naquela
noite tive sonhos monstruosos. Não era de admirar: até conseguir
pegar no sono, as lembranças dos anos de prisioneiro na minha vida
escolar me oprimiram e não consegui me livrar delas. Eu tinha sido
colocado naquela escola por uns parentes distantes, dos quais eu
dependia e de quem nunca mais soube nada. Deixaram-me lá, órfão.
Já então me retraía, devido às censuras deles. Era pensativo,
calado e olhava desconfiado para tudo. Os colegas me receberam com
zombarias impiedosas e malévolas pelo fato de eu não me parecer com
nenhum deles. Mas eu não podia suportar as zombarias; não podia
acostumar-me com a mesma facilidade com que eles se acostumavam uns
aos outros. Odiei-os desde o início, isolando-me num orgulho
assustado, ferido e exagerado. As grosserias deles me revoltavam.
Eles riam cinicamente da minha cara, da minha figura desengonçada;
no entanto, que caras idiotas eles tinham! Na nossa escola, as
expressões dos rostos modificavam-se com o passar do tempo e
tornavam-se particularmente estúpidas. Quantos meninos maravilhosos
ingressavam lá! Depois de alguns anos, dava asco olhar para eles.
Aos dezesseis anos, eu os observava carrancudo e me espantava com
eles; já naquela época eu ficava admirado com a mesquinhez dos seus
pensamentos, com as coisas idiotas com que se ocupavam, com seus
jogos, suas conversas. Havia tantas coisas importantes que eles não
entendiam, tantos assuntos empolgantes e apaixonantes que não
despertavam o interesse deles, que sem querer eu comecei a me achar
superior a eles. Não era uma vaidade despeitada que me levava a isso
e, pelo amor de Deus, não me venham com aqueles chavões aborrecidos
e nauseantes: “que eu ficava apenas sonhando, enquanto eles já
entendiam a vida real”. Eles não entendiam nada da vida real e
juro que era isso o que mais me revoltava neles. Ao contrário, a
realidade mais evidente, que saltava aos olhos, era percebida por
eles de maneira fantasticamente tola, e já naquela época tinham o
hábito de curvar-se unicamente ao sucesso pessoal. Todas as coisas
justas, mas oprimidas e humilhadas, eram motivo de suas zombarias
impiedosas e infames. Eles achavam que ser inteligente era obter um
cargo elevado; aos dezesseis anos já discorriam sobre sinecuras.
Evidentemente, muito disso era por estupidez e por causa dos maus
exemplos a que foram submetidos na infância e na adolescência. Eram
monstruosamente depravados. É claro que isso, na maior parte das
vezes, era pura fachada, um cinismo estudado; é claro que a
juventude e um certo frescor às vezes transpareciam neles até por
trás da depravação; mas mesmo esse frescor era desagradável e se
manifestava como uma sensualidade grosseira. Eu os odiava
terrivelmente, embora talvez fosse até pior que eles. Eles me
pagavam na mesma moeda e não disfarçavam a repugnância que sentiam
por mim. Mas eu já não desejava o afeto deles; ao contrário,
ansiava o tempo todo por sua humilhação. Para me livrar de suas
zombarias, esforçava-me para estudar o melhor possível e finalmente
galguei um lugar entre os primeiros alunos. Dessa forma eu me impus.
Além disso, pouco a pouco eles foram compreendendo que eu já lia
livros que eles não conseguiam ler e entendia de assuntos que não
faziam parte de nosso programa escolar, dos quais eles nunca tinham
ouvido falar. Encaravam isso com sarcasmo e raiva, mas moralmente se
submetiam, ainda mais porque, agindo assim, eu já tinha conseguido
até que os professores me notassem. Pararam com as zombarias, mas a
antipatia continuou e nossas relações se tornaram frias e tensas.
No final, eu mesmo não aguentei mais: com o passar dos anos, cresceu
uma necessidade de ter contato com pessoas, de ter amigos. Fiz várias
tentativas de me aproximar de alguns deles, mas essa aproximação
era sempre artificial e terminava por si mesma. Numa certa época,
cheguei a ter um amigo. Mas, no íntimo, eu já era um déspota;
queria ter poder absoluto sobre sua alma. Procurei inculcar nele
desprezo pelo ambiente que o rodeava; arrogantemente exigi dele um
rompimento total e definitivo com esse ambiente. Assustei-o com minha
amizade cheia de paixão; levei-o muitas vezes às lágrimas e às
convulsões. Era uma alma ingênua, que se entregava com facilidade,
mas, quando ele se entregou totalmente a mim, imediatamente passei a
odiá-lo e afastei-o de mim – como se eu precisasse dele apenas
para triunfar sobre ele e subjugá-lo. Mas eu não poderia triunfar
sobre todos; meu amigo também era diferente de todo mundo, era de
fato uma exceção das mais raras. A primeira coisa que fiz quando
deixei a escola foi abandonar o emprego especial que me haviam
destinado, a fim de romper todas as ligações com o passado,
amaldiçoá-lo e cobri-lo de cinzas... Com os diabos! Por que, depois
de tudo isso, eu tinha de ir à casa daquele Símonov!?…
De
manhã cedo acordei sobressaltado e pulei agitado da cama, como se
tudo já fosse começar a acontecer. Estava convencido de que teria
início naquele mesmo dia uma mudança radical na minha vida. Talvez
por falta de costume, sempre me pareceu que o menor acontecimento
exterior indicava que imediatamente uma mudança drástica na minha
vida iria começar. Apesar disso, fui para o trabalho como de
costume, mas escapuli duas horas mais cedo e vim para casa me
preparar. “O mais importante é não ser o primeiro a chegar”,
pensava, “senão vão achar que estou dando muito valor”. Mas
tinha que resolver mil coisas importantes, que me deixaram exausto de
tanta preocupação. Eu mesmo limpei novamente as minhas botas; por
nada neste mundo Apollon as limparia duas vezes no mesmo dia, pois
para ele isso seria quebra de regulamento. Eu as limpei, pegando às
escondidas a escova no vestíbulo para que ele não visse e não me
tratasse com desprezo depois. A seguir, examinei detalhadamente
minhas roupas e vi que estava tudo velho, puído e surrado. Eu tinha
descuidado demais de mim. Talvez o uniforme de serviço fosse a coisa
mais apresentável, mas não ficava bem ir de uniforme a um jantar. O
pior é que a minha calça tinha uma enorme mancha amarela na altura
do joelho. Comecei a pressentir que somente essa mancha já tiraria
nove décimos do meu amor-próprio. Sabia também que era muito
mesquinho pensar assim. “Mas não é hora de ficar pensando; é
hora de encarar a realidade”, pensei desanimado. Já naquele
momento eu tinha também perfeita consciência de que estava
exagerando de maneira monstruosa aqueles fatos; porém, que podia
fazer? Não conseguia me dominar mais e tinha tremores febris. Já
antevia, desesperado, que o “canalha” do Zverkov me receberia com
frieza e arrogância; que o jumento do Trudoliúbov olharia para mim
com um desprezo obtuso e inflexível; que o insignificante do
Ferfítchkin daria risadinhas nojentas e insolentes às minhas custas
para agradar a Zverkov; que no íntimo Símonov compreenderia tudo
perfeitamente e me desprezaria pela baixeza de minha vaidade e
covardia e, principalmente, eu já antevia como tudo seria
paupérrimo, não literário, banal. Estava claro que o melhor
seria não ir, mas isto já era totalmente impossível: quando algo
começava a me puxar, eu me entregava inteiro, de cabeça. Senão,
depois passaria o resto da vida implicando comigo mesmo: “Viu só?
Acovardou-se, acovardou-se diante da realidade, acovardou-se!”
Ao contrário, queria mostrar para toda aquela “corja” que não
era absolutamente o covarde que eu mesmo me imaginava. Além disso:
no mais intenso paroxismo da minha febre covarde, eu sonhava sair
vencedor, fasciná-los e obrigá-los a me amar – nem que fosse pela
“elevação das idéias e indiscutível presença de espírito”.
Eles deixariam Zverkov de lado, num canto, calado e envergonhado, e
eu o esmagaria. Depois, talvez eu fizesse as pazes com ele, nós
brindaríamos, tratando-nos por você, mas o que mais me aborrecia e
deixava furioso era que já então eu sabia perfeitamente que, no
fundo, não precisava de nada daquilo; que, no fundo, não desejava
de modo algum esmagar, dominar, magnetizar quem quer que fosse e, se
alcançasse esse resultado, eu seria o primeiro a não dar um tostão
por ele. Oh, como rezei a Deus para que aquele dia acabasse logo!
Numa angústia indescritível, chegava à janela, abria a janelinha
de ventilação e ficava olhando a obscuridade turva da neve úmida
que caía densamente.
Finalmente,
meu horrível relógio de pêndulo martelou as cinco horas. Agarrei
meu chapéu e, esforçando-me para não olhar para Apollon, que desde
a manhã esperava seu pagamento, mas que por orgulho não queria ser
o primeiro a tocar no assunto, deslizei pela porta, passando por ele,
e embarquei no carro de luxo que havia contratado com meus últimos
cinquenta copeques e, como um senhor importante, cheguei ao Hôtel
de Paris.
Dostoiévski, in Notas do Subsolo
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