Os
leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor
que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto.
Apenas as eternas frases feitas.
“A
vida é um fardo” — isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E
acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a
ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia, pois todos
os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns
verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum
da época, deviam ser a delícia e a tábua de salvação das
conversas.
Pois
não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é
a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança
das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já
não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara
em entrevista:
“O
Brasil não fugirá ao seu destino histórico!”
O
êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é
sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que
isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu
destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata
esmagada.
Mário Quintana, in Caderno H
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