A
minha noiva é formosa e ditosa; assim é o seu país.
No
país de minha noiva os trovões são gordos e alegres; e a chuva é
musical. Costuma parar de chover um pouco antes das cinco e meia da
tarde, a tempo de propiciar um arco-íris, em sinal de aliança do
Astro-Rei com a Terra. Não se trata de aliança para o progresso,
mas aliança de amor.
§
1º. A expressão Astro-Rei refere-se ao Sol.
Não
há outro Rei, além do Astro. Também não há escravos, a não ser
algumas escravas egípcias, enfeitadas com correntes de ouro, as
quais escravas são lindas e de seios túrgidos e longas coxas
desnudas; e bailam no carnaval. São morenas. Têm cinturas finas.
No
país de minha noiva a patente mais alta das forças armadas é a de
aspirante a anspeçada. Anspeçada mesmo só se imagina em tempo de
guerra.
Mas
não há tempo de guerra no país de minha noiva. Há tempo de
jabuticaba, de açucena, de jogar bilboquê e de ovas de tainha. Há
muitos tempos. O tempo se divide em alegres tempos, e flui suave e
cordial. Às vezes se detém um pouco, para que eu possa mirar a
minha noiva. Quando a minha noiva me mira a mim, o Tempo se imobiliza
inteiramente. Só eu estremeço. “Amo tanto e estremeço esta
terra!”
CAPÍTULO
II — DA TERRA
No
país de minha noiva não há trabalhadores rurais, nem mesmo
camponeses. Há campônios. Eles não se juntam em ligas nem
sindicatos, mas em grupos corais, à hora do Ângelus. Ninguém pensa
em dividir a terra, mas em laborar e colher.
Art.
1º. A terra é indivisível.
Art.
2º. A terra é toda de Deus.
Art.
3º. No uso das praias e dos relvados é assegurada a primazia dos
adolescentes, para seus jogos e bailados.
§
1º. As ninfas são locadas nos bosques, à razão de treze por
alqueire. São os chamados grupos de treze.
No
país de minha noiva não há prisões; apenas corações cativos.
Mas
ainda a estes é permitida uma certa leviandade.
A
alegria de minha noiva, quando descíamos no elevador, me encheu de
sol meu coração. Mas agora não há mais elevadores, pois não é
permitida a construção de edifícios. Tampouco a de favelas.
As
pessoas habitam choupanas ou mansões, segundo a idade, o estado de
espírito e os sentimentos religiosos. As mansões são antigas e as
choupanas são felizes.
A
minha noiva é jucunda e bela; assim é o seu país.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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