quinta-feira, 25 de maio de 2023

Minha noiva

A minha noiva é formosa e ditosa; assim é o seu país.
No país de minha noiva os trovões são gordos e alegres; e a chuva é musical. Costuma parar de chover um pouco antes das cinco e meia da tarde, a tempo de propiciar um arco-íris, em sinal de aliança do Astro-Rei com a Terra. Não se trata de aliança para o progresso, mas aliança de amor.
§ 1º. A expressão Astro-Rei refere-se ao Sol.
Não há outro Rei, além do Astro. Também não há escravos, a não ser algumas escravas egípcias, enfeitadas com correntes de ouro, as quais escravas são lindas e de seios túrgidos e longas coxas desnudas; e bailam no carnaval. São morenas. Têm cinturas finas.
No país de minha noiva a patente mais alta das forças armadas é a de aspirante a anspeçada. Anspeçada mesmo só se imagina em tempo de guerra.
Mas não há tempo de guerra no país de minha noiva. Há tempo de jabuticaba, de açucena, de jogar bilboquê e de ovas de tainha. Há muitos tempos. O tempo se divide em alegres tempos, e flui suave e cordial. Às vezes se detém um pouco, para que eu possa mirar a minha noiva. Quando a minha noiva me mira a mim, o Tempo se imobiliza inteiramente. Só eu estremeço. “Amo tanto e estremeço esta terra!”

CAPÍTULO II — DA TERRA

No país de minha noiva não há trabalhadores rurais, nem mesmo camponeses. Há campônios. Eles não se juntam em ligas nem sindicatos, mas em grupos corais, à hora do Ângelus. Ninguém pensa em dividir a terra, mas em laborar e colher.

Art. 1º. A terra é indivisível.
Art. 2º. A terra é toda de Deus.
Art. 3º. No uso das praias e dos relvados é assegurada a primazia dos adolescentes, para seus jogos e bailados.
§ 1º. As ninfas são locadas nos bosques, à razão de treze por alqueire. São os chamados grupos de treze.

No país de minha noiva não há prisões; apenas corações cativos.
Mas ainda a estes é permitida uma certa leviandade.
A alegria de minha noiva, quando descíamos no elevador, me encheu de sol meu coração. Mas agora não há mais elevadores, pois não é permitida a construção de edifícios. Tampouco a de favelas.
As pessoas habitam choupanas ou mansões, segundo a idade, o estado de espírito e os sentimentos religiosos. As mansões são antigas e as choupanas são felizes.
A minha noiva é jucunda e bela; assim é o seu país.

Rubem Braga, in A traição das elegantes

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