domingo, 21 de maio de 2023

Coração leviano | Paulinho da Viola, 1977


Lançado com sucesso por Clara Nunes, “Coração leviano” foi um dos destaques do álbum As forças da natureza, em 1977. Na voz da Guerreira, acompanhada por um coro de pastoras, o samba parecia ambientado numa animada roda na quadra de uma escola, em um espírito festivo que funcionava como contraponto à desilusão amorosa que o samba cantava. Um ano depois, a gravação do autor, em seu décimo disco solo, Paulinho da Viola, era mais camerística: apenas ele e seu cavaquinho, o violão do pai, Cesar Farias, o piano de Cristóvão Bastos, o clarinete de Copinha e uma discreta seção rítmica.
Grande sucesso nas rádios, nos palcos e nas rodas de samba, “Coração leviano” tem o toque sofisticado de um estilista da composição, com refinada carpintaria musical e poética, em perfeito encaixe. Um samba melódico e melancólico sobre uma dolorosa separação sem adeus, tramada em segredo pela leviandade do coração da ex-amada.
No fim de sua década de ouro, em que mais compôs e gravou, Paulinho tinha vivido entre extremos de desilusões dolorosas e encontros inspiradores, mas “Coração leviano” não parece ser confessional ou autobiográfica: em 1978, ele se casou com Lila Rabello (irmã do violonista Raphael Rabello), com quem veio a ter quatro filhos. A decepção era com a Portela: um ano antes, por discordar dos critérios nas disputas dos enredos e dos rumos do carnaval, ele se desligou e ficou mais de três décadas longe da quadra e dos desfiles da escola, foi como um rio de mágoa passando em sua vida.
Duas décadas depois de Clara e Paulinho, “Coração leviano” voltou a bater com emoção na voz de Djavan, no álbum Malásia (1996). Em andamento mais ralentado, era um tributo a uma de suas referências no samba, com discretos sabores da bossa nova que também se expressa na obra de Paulinho.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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