A mulherinha descendo a rua na minha frente e eu pensando: se fosse comer esta mulher, dava menos carne que o frango mais pesado, nada me convence de que tem mais de se comer que um frango. Ela com quarenta quilos e o frango com dois, ainda assim é mais descarnada. Parece bobo, mas um mergulho na banheira não descobriu princípios matemáticos? Um almoço da mulher parece dar apenas para umas quatro pessoas, do frango para umas oito, se duvidar, dez. Limpinha, durinha, sequinha, vende quiabos na calçada a mulher da roça no Brasil. Fui ao Peru uma vez e na volta tive depressão, por causa das múmias, uma delas com todos os dentes. Fiquei pensando no meu desaparecimento, no meu desvalor. Iguais, um grão de terra e eu. Visitar múmias é correr risco de desintegração, de pensamentos inusuais sobre pontos da doutrina, até ali inabaláveis. A validade deles periga, assim como a saúde média da nossa cabeça. Demorei uns dias para engrenar. Joana descobriu sozinha, sem nunca ter ido ao Peru, que se deve rezar pelos ancestrais. Tudo a ver com a minha viagem aos Andes, que me esmagou como a um piolho-de-galinha. Teve o lado bom, me senti parte de uma corrente avassaladora, objetivamente poderosa. Olhava tudo de fora e minha culpa diminuía, nitidamente percebendo minha condição de criatura. Eternas, água, montanha, pedra e eu.
Adélia Prado, in Quero minha mãe
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