Dia
04 de novembro de 2008
E
esta? Em Março de 1975, e mais acentuadamente no mês seguinte,
chegaram-nos rumores a Portugal do desagrado do governo espanhol,
então presidido por Carlos Arias Navarro, quanto aos caminhos,
perigosos em seu entender, que a revolução portuguesa estava
tomando. A derrota do golpe militar direitista de 11 de Março, de
que o general Spínola havia sido inspirador e chefe, teve como
imediata consequência o revigoramento das forças políticas de
esquerda, incluindo as organizações sindicais. Ao que parece, Arias
Navarro entrou em pânico, a tal ponto que, num encontro com o
vice-secretário de Estado norte-americano Robert Ingersoll,
manifestou a ideia de que Portugal era uma séria ameaça para
Espanha, não só pelo desenvolvimento que a situação ali estava
tomando mas também pelo apoio exterior que poderia obter e que seria
hostil a Espanha. O passo seguinte, segundo Arias Navarro, poderia
ser a guerra. Da informação que, acto contínuo, Ingersoll
transmitiu ao secretário de Estado Henry Kissinger, consta o
seguinte: “Espanha estaria disposta a lançar sozinha o combate
anticomunista se necessário. É um país forte e próspero. Não
quer pedir ajuda, mas confia em que terá a cooperação e a
compreensão dos seus amigos, não só no interesse de Espanha, mas
também de todos aqueles que pensam da mesma maneira”. Numa outra
conversação em 9 de Abril com Wells Stabler, embaixador dos Estados
Unidos, Arias Navarro disse que “o Exército espanhol conhece os
perigos do comunismo pela experiência da Guerra Civil e está
totalmente unido”.
E
esta? Nós, aqui, preocupados em pôr de pé, contra os mil ventos e
marés de dentro e os que estavam a ser preparados de fora, um futuro
mais digno para Portugal, e os nossos vizinhos, nuestros hermanos, a
tramarem com os Estados Unidos uma guerra que provavelmente nos
deixaria destruídos e, não duvidemos, malferida a própria Espanha.
Depois das conversações que Franco manteve no passado com a
Alemanha de Hitler com vista à partilha, pataca a mim, pataca a ti,
das colónias portuguesas, pairava agora sobre as nossas cabeças a
ameaça explícita de uma invasão à qual talvez só tenha faltado o
sim dos Estados Unidos.
Terei
de dizer que não foi para isto que escrevi A jangada de pedra?
José Saramago, in O caderno
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