Quando a fonte do significado e da
autoridade foi realocada do céu para os sentimentos humanos, toda a
natureza do cosmo mudou. O universo exterior — até então
enxameado de deuses, musas, fadas e demônios lendários —
tornou-se um espaço vazio. O mundo interior — até então um
enclave insignificante de paixões grosseiras — tornou-se profundo
e rico além de qualquer medida. Anjos e demônios foram
transformados de entidades reais que vagavam por florestas e desertos
em forças interiores de nossa própria psique. Céu e inferno também
deixaram de ser lugares reais acima das nuvens e abaixo dos vulcões
e passaram a ser interpretados como estados mentais interiores. Você
experimenta o inferno toda vez que incendeia os fogos da raiva e do
ódio em seu coração e curte a felicidade celestial quando perdoa
seus inimigos, se arrepende dos próprios malfeitos e partilha sua
riqueza com os pobres.
Quando Nietzsche declarou que Deus estava
morto, era isso que ele realmente estava pensando. Ao menos no
Ocidente, Deus tornou-se uma ideia abstrata que alguns aceitam e
outros rejeitam, o que faz pouca diferença. Na Idade Média, sem um
deus eu não teria uma fonte de autoridade política, moral e
estética. Não poderia dizer o que era correto, bom ou bonito. Quem
poderia viver assim? Hoje, em contraste, é muito fácil não
acreditar em Deus porque não tenho um preço a pagar por minha
descrença. Posso ser um completo ateu e, ainda assim, extrair uma
rica mistura de valores políticos, morais e estéticos de minha
experiência interior.
Se eu acredito em Deus afinal, foi opção
minha acreditar. Se meu eu interior me diz para acreditar em Deus
— então eu acredito. Acredito porque sinto a presença de
Deus, e meu coração me diz que Ele está presente. Mas, se não
mais sentir a presença de Deus, e se meu coração subitamente me
disser que Deus não existe — deixarei de acreditar. Seja como for,
a fonte real de autoridade são os meus sentimentos. Assim, mesmo
quando digo que acredito em Deus, a verdade é que tenho uma crença
muito mais forte na minha voz interior.
Yuval Noah Harari, in Homo Deus: uma breve história do amanhã
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