quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Espaço vazio

Quando a fonte do significado e da autoridade foi realocada do céu para os sentimentos humanos, toda a natureza do cosmo mudou. O universo exterior — até então enxameado de deuses, musas, fadas e demônios lendários — tornou-se um espaço vazio. O mundo interior — até então um enclave insignificante de paixões grosseiras — tornou-se profundo e rico além de qualquer medida. Anjos e demônios foram transformados de entidades reais que vagavam por florestas e desertos em forças interiores de nossa própria psique. Céu e inferno também deixaram de ser lugares reais acima das nuvens e abaixo dos vulcões e passaram a ser interpretados como estados mentais interiores. Você experimenta o inferno toda vez que incendeia os fogos da raiva e do ódio em seu coração e curte a felicidade celestial quando perdoa seus inimigos, se arrepende dos próprios malfeitos e partilha sua riqueza com os pobres.
Quando Nietzsche declarou que Deus estava morto, era isso que ele realmente estava pensando. Ao menos no Ocidente, Deus tornou-se uma ideia abstrata que alguns aceitam e outros rejeitam, o que faz pouca diferença. Na Idade Média, sem um deus eu não teria uma fonte de autoridade política, moral e estética. Não poderia dizer o que era correto, bom ou bonito. Quem poderia viver assim? Hoje, em contraste, é muito fácil não acreditar em Deus porque não tenho um preço a pagar por minha descrença. Posso ser um completo ateu e, ainda assim, extrair uma rica mistura de valores políticos, morais e estéticos de minha experiência interior.
Se eu acredito em Deus afinal, foi opção minha acreditar. Se meu eu interior me diz para acreditar em Deus — então eu acredito. Acredito porque sinto a presença de Deus, e meu coração me diz que Ele está presente. Mas, se não mais sentir a presença de Deus, e se meu coração subitamente me disser que Deus não existe — deixarei de acreditar. Seja como for, a fonte real de autoridade são os meus sentimentos. Assim, mesmo quando digo que acredito em Deus, a verdade é que tenho uma crença muito mais forte na minha voz interior.

Yuval Noah Harari, in Homo Deus: uma breve história do amanhã

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