segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O sol e a lua

O primeiro sol, o sol de água, a inundação levou. Todos os que moravam no mundo se converteram em peixes.
O segundo sol, os tigres devoraram.
O terceiro, uma chuva de fogo, que incendiou as gentes, arrasou.
O quarto, o sol de vento, a tempestade apagou. As pessoas se transformaram em macacos e se espalharam pelos montes.
Pensativos, os deuses se reuniram em Teotihuacán.
Quem se ocupará de trazer o amanhecer?
O senhor dos caracóis, famoso por sua força e por sua formosura, deu um passo adiante.
Eu serei o sol – disse.
Quem mais?
Silêncio.
Todos olhavam para o Pequeno Deus Purulento, o mais feio e desgraçado dos deuses, e disseram:
Tu.
O Senhor dos Caracóis e o Pequeno Deus Purulento se retiraram para os montes que agora são as pirâmides do sol e da lua. Ali em jejum, meditaram.
Depois os deuses juntaram lenha, armaram uma fogueira enorme e os chamaram.
O Pequeno Deus Purulento tomou impulso e se atirou nas chamas. Em seguida emergiu, incandescente, no céu.
O Senhor dos Caracóis olhou a fogueira com o cenho franzido. Avançou, retrocedeu, parou. Deu um par de voltas. Como não se decidia, tiveram de empurrá-lo. Com muita demora subiu ao céu. Os deuses, furiosos, o esmurraram. Bateram em sua cara com um coelho, uma e outra vez, até que mataram seu brilho. Assim, o arrogante Senhor dos Caracóis se transformou na lua. As manchas da lua são as cicatrizes daquele castigo.
Mas o sol resplandecente não se movia. O gavião de pedra voou até o Pequeno Deus Purulento:
Por que não andas?
E respondeu o desprezado, o fedorento, o corcunda, o manco:
Porque quero o sangue e o reino.
Este quinto sol, o sol do movimento, iluminou os toltecas e ilumina os astecas. Tem garras e se alimenta de corações humanos.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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