Então,
começou a mais doce, a mais sofrida história de amor. Voltava, dos
seus encontros com Romualdo, em sobressalto. O filho estava sempre na
rua, jogando bola ou em brincadeiras turbulentas com amigos, de sua
idade. Uma vez, deu um chute, e com tanta infelicidade, que a unha do
dedo grande do pé saltou longe. O negócio inflamou; e Lucília,
quando chegou, de uma entrevista amorosa, tomou-se de vergonha e de
remorso. Pensou, lavando o pé machucado: enquanto ela se divertia
com um homem, além do mais casado, o filho, sozinho, estava
precisando de seus cuidados. Vamos que fosse uma coisa pior que um
simples esfolamento de dedo. Que remorsos não sentiria? O menino,
corajoso, quase não se queixava. E era ela quem tinha de perguntar:
— Está
doendo?
— Mais
ou menos.
E
Lucília:
— Quando
estiver doendo, diga!
No
dia seguinte, Lucília apareceu triste. Suspirava:
— Que
vida!
Romualdo
acabou se enfezando:
— Que
vida, por quê? Ela, então, pôs as cartas na mesa:
— Reconheço
que a culpada sou eu, porque você, sendo casado, eu não devia...
Não. Romualdo, não está direito.
Fez
uma pausa, antes de completar:
— Se,
ao menos, você vivesse só pra mim!
Foi
brutal:
— Ora,
Lucília, ora! No mínimo, você está querendo que eu deixe minha
mulher! Sou capaz de apostar!
Despediram-se
sem carinho. E ele, ressentido, mal se deixou beijar. Disse, apenas:
— Vai
com Deus, vai!
Nessa
noite, ele fez confidências a um amigo. Quando este soube que havia
um filho no meio, um marmanjão de 12 anos, foi categórico:
— Abacaxi
autêntico!
E
Romualdo insistiu:
— Você
não acha um desaforo que ela queira, imagine, que eu deixe minha
mulher?
— Evidente!
No
primeiro encontro, Romualdo rompeu fogo:
— Das
duas, uma: ou você muda de cara, faz uma cara alegre ou então,
minha filha, vamos acabar com esse negócio. Já não estou gostando,
nada, nada!
Já
o termo “negócio” pareceu-lhe de uma abominável grosseria, de
um prosaísmo ultrajante. Além disso, a agressividade, como se ela
fosse uma qualquer! Exaltou-se, também:
— Não
grite! Está pensando que eu sou o quê?
— Grito,
pronto, grito! Não topo chiquê! Comigo, não!
Ela
não disse uma, nem duas. Apanhou a bolsa, que estava em cima da
mesa: olhou-se instintivamente, no pequeno espelho; e, num passo
lento, encaminhou-se para a porta. Parou um segundo, uma fração de
segundo. Esperava talvez que Romualdo a chamasse. Teria, então,
voltado, e tudo terminaria numa reconciliação feroz. Mas ele,
esbravejou:
— Mulheres
é que não faltam, inclusive a minha!
Podia
haver pontapé mais claro, mais insofismável, mais absoluto? Saiu
para nunca mais.
Nelson
Rodrigues, in A vida como ela é
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