No
filme O diário de Bridget Jones tem uma cena em que aparece o
escritor Salman Rushdie. A cena é de um lançamento literário em
Londres e Rushdie faz o papel dele mesmo. Nada de mais. Tema para
teste de memória ou passatempo trivial: de quantos escritores
fazendo pontas em filmes você consegue se lembrar? Alguns fizeram
mais do que pontas. Truman Capote era o dono da casa onde acontecem
os crimes naquela comédia policial escrita por Neil Simon, cujo
título, claro, só me ocorrerá quando você já estiver lendo isto.
Capote, que nunca fez muito sucesso na França, porque lá “capote”
é o apelido de camisinha e o gosto francês pela ironia não vai tão
longe, só podia mesmo fazer um personagem fictício. Nem ele
conseguiria interpretar o próprio Truman Capote convincentemente. No
Roma, de Fellini, Gore Vidal aparece na Piazza Santa
Maria in Trastevere cercado de admiradores e diz uma frase para a
câmera. Algo na linha do que Karl Kraus disse sobre Viena, que lá
estava se ensaiando o fim do mundo, ou coisa parecida. Woody Allen já
usou vários escritores – como Susan Sontag e E. L. Doctorow —
fazendo depoimentos para a câmera, mas a aparição mais memorável
de um escritor de verdade num filme dele foi a de Marshall McLuhan.
Allen e outro discutem as teses de McLuhan numa fila de cinema e o
debate só é resolvido com a convocação do próprio McLuhan, que
por acaso está no saguão e dá os esclarecimentos pedidos — ou
confunde ainda mais a questão, não me lembro. E me lembro do
William Styron em outra comédia sendo acossado por um jovem escritor
atrás de conselhos, com cara de quem preferia não ter aceito o
convite.
Salman
Rushdie, no simpático filme da Bridget Jones, só estaria seguindo
uma tradição, mas não faz muito ele não aparecia nem em filmes
nem em qualquer outro lugar. Estava escondido da vingança muçulmana
por ter escrito Os versos satânicos. Parece que a sentença
de morte foi suspensa, mas Rushdie pode ter decidido fugir da vida
real para a ficção dos outros, convencido de que é mais seguro dar
um toque de realismo a um mundo imaginário do que participar do que
outro autor, John Le Carré, chama de “teatro do real”, onde sua
vida de verdade corre perigo. No teatro do real há sempre o risco de
confundirem o autor com seus escritos e pedirem satisfações
pessoais, e não demora os autores precisarão de atores para
representá-los em público. Já nos filmes em que participam eles
podem ser eles mesmos, sem a necessidade de dublês. Ainda mais que
são quase sempre cenas de coquetel.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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