Ela
perguntou como ele reagiria se um dia uma tia hipotética dela viesse
hospedar-se com eles. Ele respondeu:
— E
desde quando a sua tia solteira de Surupinga se chama Hipotética? Eu
sei que ela se chama Amanda. Você vive falando nela.
— Está
bem. A tia não é hipotética. É a tia Amanda.
— A
visita dela é hipotética.
— Também
não.
— Eu
sou hipotético.
— Não.
Você é um homem compreensivo, que receberá a tia Amanda como se
ela fosse a sua tia também. Porque você sabe como eu gosto dela.
— Você
não gosta da sua tia Amanda. Você adora a sua tia Amanda. A tia
Amanda é seu ídolo.
— Eu
sempre achei ela um exemplo de mulher moderna, ativa, independente...
— Que
nunca saiu de Surupinga.
— Como
não? A tia Amanda mora em Surupinga, mas conhece o mundo todo! Já
fez até um curso de respiração cósmica na Índia.
— Respiração
cósmica?
— Você
aprende a respirar no ritmo do Universo, muito mais lento e profundo
do que o ritmo da Terra.
— E
do que o de Surupinga.
— Ela
sempre volta para Surupinga porque cuida dos negócios da família. A
tia Amanda também é uma executiva de sucesso. É uma mulher
fantástica.
— E
quando seria essa visita hipotética da tia Amanda?
Ouvem
a campainha da porta.
— Deve
ser ela agora!
— Espera.
E onde a tia Amanda vai dormir?
— Aqui,
no sofá.
— No
sofá? Não vai ser desconfortável, para uma senhora?
— E
quem disse que ela é uma senhora?
*
* *
Tia
Amanda não é uma senhora. É uma moça. Linda. Elegante.
Fantástica.
— Titia!
— Celinha!
Querida!
— Entre!
— Preciso
de um homem para carregar esta mala.
— Por
sorte, eu tenho um em casa.
Tia
Amanda examina-o dos pés à cabeça.
— Mmm.
Então esse é o famoso... Como é mesmo o nome?
— Reinaldo.
Quem
diz o nome é a Celinha, porque Reinaldo está paralisado. Fascinado.
Embasbacado.
Finalmente,
consegue falar.
— E
essa é a famanda tia Amosa. Ahn, a famosa tia Amanda.
Tia
Amanda olha em volta da sala, antes de dar seu veredito com um
sorriso irônico:
— Acolhedora.
— Você
gosta?
— Um
dia vocês se lembrarão deste período em suas vidas e se
perguntarão “Como pudemos ser felizes com tão pouco?” É o que
os franceses chamam de nostalgie de la privation...
— E
como vão todos em Surupinga?
— Ninguém
vai em Surupinga, minha querida. Em Surupinga só se fica.
— E
você, titia? Arrasando corações, como sempre?
— Você
sabe o que eu penso dos homens, Celinha. Homem só serve para abrir
pote e segurar porta.
Ela
se dá conta da presença de Reinaldo e acrescenta:
— Desculpe,
Roberto. E para carregar mala.
— E
os negócios?
— Cada
vez melhores e mais aborrecidos. Eu precisava dar uma saída. Como
Paris nesta época é muito chuvosa e Nova York tem brasileiro
demais, decidi vir visitar minha sobrinha querida, que não via há
tanto tempo.
— E
conhecer meu marido.
— Quem?
Ah, isso também... Mas chega de falar só de mim. Vamos falar de
você. Você estava com saudade de mim, estava?
*
* *
Mais
tarde, Reinaldo e Celinha no quarto:
— Você
disse que ela era fantástica, mas esqueceu um detalhe.
— Qual?
— Ela,
além de fantástica, é... Fantástica!
— Você
conversaram bastante enquanto eu fazia o jantar...
— Conversamos.
Combinamos que ela vai me dar aulas de respiração cósmica.
Celinha
ficou pensativa, antes de dizer:
— Não
sei se vai ter tempo...
— Por
quê?
— Ela
vai embora amanhã de manhã.
— Já?
Por quê?
— Os
negócios em Surupinga. Estão exigindo a presença dela...
— Ela
lhe disse?
— Não.
Ela ainda não sabe.
Celinha
chegara à conclusão de que as pessoas às vezes podem ser
fantásticas demais.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
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