quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Garranchos [VIII]

Era uma vez uma cidade do interior de um Estado, que tinha a sua iluminação confiada aos cuidados de um certo Manoel Xororó... À luz tênue dos lampiões, fabricados com engenho por um cidadão que tinha o nome pouco comum de José Urubu, os habitantes daquela pitoresca terra podiam, à noite, sem se arriscarem ao perigo de quebrar as pernas, passear tranquilos nas ruas esburacadas...
Veio um dia a doença, Xororó foi à cama, agonizou e morreu. Nomeou-se um substituto, que não limpava os vidros dos candeeiros, nem deitava para a combustão o líquido necessário. E a luz enfraqueceu... Então o povo dali aborreceu-se do clarão que vinha dos pavios embebidos em querosene e pediu luz elétrica. Vai o intendente e, acedendo ao pedido dos munícipes, tratou do caso. Apareceu um cidadão jeitoso e amável, arrancou privilégio de vinte anos e firmou um contrato com a municipalidade...
O povo, como era natural, bateu palmas. Meses depois o homem enterrou postes e enrolou a cidade (salvo seja) em fios amarelos... Os proprietários queriam fazer instalações em suas casas, mas receavam o preço. O empresário dizia que aquilo era muito barato. E os prédios encheram-se de fios.
Chegaram por fim os aparelhos, e a primeira experiência foi anunciada. Gente curiosa encheu as imediações da empresa. O dínamo enrascou-se, as crianças gargalhavam e os garotos riscavam fósforos, para iluminar a luz elétrica... No dia seguinte, depois de um labor insano, a luz se fez! Houve risos, felicitações, e as janelas se encheram de rostinhos curiosos.
Dias após ao arrasta-pé de valsas e ao tilintar de copos transbordando espumas, inaugurou-se a iluminação pública. E a cidade se vestiu de júbilo... Música, discursos, o diabo! Tudo muito bem. As ruas ficaram claras. O povo, satisfeito, abriu os bolsos, cruzou os braços e mandou o proprietário da empresa servir-se à vontade.
Este, não contente com o lucro, dobrou o número de instalações, e a luz esmoreceu. Achou pouco ainda; triplicou... e a luz ficou agonizante. Houve reclamações. O homem mandou cartas para a América e marcou prazo para a chegada de aparelhos, que não foram pedidos...
E hoje a gente da cidade, obrigada a andar às apalpadelas pelas ruas, arrisca-se a quebrar as pernas nos buracos, manda aos diabos as transparentes lâmpadas de Edison e fala com saudades dos bons tempos em que a iluminação da terra era confiada aos cuidados do finado Manoel Xororó, de saudosa memória!
Graciliano Ramos, in O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 8, 20/03/1921, p. 1.

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