Era
uma vez uma cidade do interior de um Estado, que tinha a sua
iluminação confiada aos cuidados de um certo Manoel Xororó... À
luz tênue dos lampiões, fabricados com engenho por um cidadão que
tinha o nome pouco comum de José Urubu, os habitantes daquela
pitoresca terra podiam, à noite, sem se arriscarem ao perigo de
quebrar as pernas, passear tranquilos nas ruas esburacadas...
Veio
um dia a doença, Xororó foi à cama, agonizou e morreu. Nomeou-se
um substituto, que não limpava os vidros dos candeeiros, nem deitava
para a combustão o líquido necessário. E a luz enfraqueceu...
Então o povo dali aborreceu-se do clarão que vinha dos pavios
embebidos em querosene e pediu luz elétrica. Vai o intendente e,
acedendo ao pedido dos munícipes, tratou do caso. Apareceu um
cidadão jeitoso e amável, arrancou privilégio de vinte anos e
firmou um contrato com a municipalidade...
O
povo, como era natural, bateu palmas. Meses depois o homem enterrou
postes e enrolou a cidade (salvo seja) em fios amarelos... Os
proprietários queriam fazer instalações em suas casas, mas
receavam o preço. O empresário dizia que aquilo era muito barato. E
os prédios encheram-se de fios.
Chegaram
por fim os aparelhos, e a primeira experiência foi anunciada. Gente
curiosa encheu as imediações da empresa. O dínamo enrascou-se, as
crianças gargalhavam e os garotos riscavam fósforos, para iluminar
a luz elétrica... No dia seguinte, depois de um labor insano, a luz
se fez! Houve risos, felicitações, e as janelas se encheram de
rostinhos curiosos.
Dias
após ao arrasta-pé de valsas e ao tilintar de copos transbordando
espumas, inaugurou-se a iluminação pública. E a cidade se vestiu
de júbilo... Música, discursos, o diabo! Tudo muito bem. As ruas
ficaram claras. O povo, satisfeito, abriu os bolsos, cruzou os braços
e mandou o proprietário da empresa servir-se à vontade.
Este,
não contente com o lucro, dobrou o número de instalações, e a luz
esmoreceu. Achou pouco ainda; triplicou... e a luz ficou agonizante.
Houve reclamações. O homem mandou cartas para a América e marcou
prazo para a chegada de aparelhos, que não foram pedidos...
E
hoje a gente da cidade, obrigada a andar às apalpadelas pelas ruas,
arrisca-se a quebrar as pernas nos buracos, manda aos diabos as
transparentes lâmpadas de Edison e fala com saudades dos bons tempos
em que a iluminação da terra era confiada aos cuidados do finado
Manoel Xororó, de saudosa memória!
Graciliano
Ramos, in O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 8,
20/03/1921, p. 1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário