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Antes
de se casarem o Haroldo avisou:
— No
carnaval eu sou outro.
A
Heloísa aceitou. No dia a dia do casamento Haroldo seria um, no
carnaval seria outro.
Quais
eram as condições do outro?
Sair
no sábado de carnaval para se juntar à sua turma e só voltar na
quarta-feira, sem horário especificado.
Não
precisar dar explicações sobre por onde andara e o que fizera entre
o sábado e a quarta-feira ou sobre eventuais manchas na roupa.
Ter
acesso irrestrito ao armário da Heloísa, pois era uma tradição do
seu grupo sair vestido de mulher. O nome do grupo era “As Loucas”.
Heloísa
só pediu esclarecimentos sobre o terceiro item. O Haroldo queria
acesso aos seus vestidos, era isso? Ou o acesso incluiria chapéus,
bolsas, sutiãs...
— Tudo
— disse Haroldo. — Inclusive perucas.
Mas
de uma coisa a Heloísa poderia ter certeza, segundo Haroldo. O outro
sempre voltaria. Por onde andasse e o que fizesse entre o sábado e a
quarta, o outro sempre voltaria.
Heloísa
concordou. E casaram-se.
*
* *
No
dia a dia do casamento, Haroldo era um marido exemplar. Heloísa não
tinha queixa dele. No trabalho (contabilidade) também era um modelo
de retidão e discrição. Mas era só se aproximar o sábado de
carnaval e Haroldo começava a ficar inquieto. Examinava o
guarda-roupa da Heloísa, já planejando sua fantasia.
— Cadê
aquele seu pretinho que eu gosto?
E
quando terminava de se vestir, no sábado, Haroldo apresentava-se
para Heloísa, com (por exemplo) o sutiã por cima do pretinho, e
perguntava:
— Como
é que eu estou?
—
Horroroso.
Era
o que ele queria ouvir. Saía para se encontrar com “As Loucas”
dando risada. E só voltava na quarta-feira.
*
* *
Os
filhos tinham custado a aceitar o “outro” e sua loucura
carnavalesca. A filha, principalmente, não podia ver o pai
fantasiado de mulher que protestava.
— Que
mico, pai!
Mas
Heloísa se acostumara, e só reclamava quando Haroldo perdia uma
peruca, ou voltava com uma meia rasgada ou um salto quebrado...
*
* *
E,
como costuma acontecer, o tempo passou. Hoje, Haroldo não tem o
mesmo ânimo de outros carnavais. “As Loucas”, que eram seis,
agora são três: duas morreram, uma está proibida pelos médicos de
sair de casa. Heloísa tenta animar Haroldo, em vão. Até a filha,
no outro dia, disse:
—
Papai, eu vi um tailleurzinho que ficaria
ótimo em você.
Nada
adianta.
Neste
sábado Haroldo chegou a botar um vestido e um chapelão, mas ficou
sentado no sofá vendo o carnaval na TV — a cena mais triste que eu
já vi na minha vida, disse Heloísa.
— E
o outro? — perguntou Heloísa ao Haroldo. — Que fim levou o
outro?
— É.
Desta vez ele não voltou — disse Haroldo.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo
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