Após
infidelidade, Fernanda jogou as roupas de meu amigo Felipe pela
janela do prédio. Apareceram todas espalhadas no jardim, na piscina,
no telhado do estacionamento.
Aquilo
não foi vingança. Ele nem se vestia bem — nunca deu valor para o
próprio figurino, capaz de sair com um tênis laranja da Nike e
outro azul da Adidas.
Felipe
não mexeu o traseiro, não se desesperou para recolher suas coisas.
Fez de conta que era uma chuva de mantimentos da ONU no bairro.
Não
compreendo por que as mulheres insistem em rasgar nossas roupas ou
despejá-las andares abaixo. Não há sentido na atitude. Elas é que
sofreriam com isso, não a gente. Cometem a imprudência de nos
castigar com dor alheia.
Felipe
ficaria fulo e possesso se Fernanda queimasse seu álbum completo da
Copa de 82. Seria imperdoável. As figurinhas vinham dentro dos
chicletes, ele estragou os dentes, sacrificou bolas de gude no
recreio, roubou moedas da bolsa da mãe para finalizar as imagens das
seleções.
Homem
não tolera perder a infância de novo. É mexer na sua infância que
ele esperneia — pode ser na forma de uma coleção de selos, de
camisetas de futebol, de bolachas de chope, de LPs. Não há um único
macho no mundo que não guarde um acervo emocional. Quer matar seu
marido de susto? Ponha fora sua nostalgia de guri.
Já
a mulher teme agressões contra seu closet (homem não tem closet,
mas guarda-volumes). O coração feminino é uma delegacia contendo
abusos como desfiamentos, rasgões e puxões. A meia-calça é a
vítima mais recorrente da força e falta de jeito dos parceiros.
Portanto,
uma das represálias mais diabólicas consistiria em derramar
partículas de Q’Boa nas calças, camisas e saias da esposa.
Pequenas gotas de água sanitária, o suficiente para estragar um
tecido pelo resto da vida e transformar qualquer Ocimar Versolato em
lembrança de Fátima.
E,
de modo nenhum, alardear a maldade. Executar o ato em silêncio, a
sangue-frio, deixar que ela encontre uma por uma das máculas ao
longo dos dias. Haverá gemidos de pânico quando alguém apontar a
descoloração nas peças. No ranking de horror da mulher, a Q’Boa
surge em segundo lugar, atrás apenas das baratas e seguida das
traças.
Mas,
sinceramente, eu não teria coragem. Não gostaria de ser um inseto
esmagado por um salto 15.
Fabrício
Carpinejar, in Ai
meu Deus, ai meu Jesus
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