Existe
nele [no Quixote] uma expressão que, para mim, é a chave,
embora não pareça nada de especial. Quando o Dom Quixote sai para
começar as suas andantes cavalarias, o Cervantes diz isto de uma
maneira tão simples que qualquer de nós poderia tê-lo dito: “E
começou a caminhar”. Há dois Quixotes: um com a sua vida sem
importância e o outro que nasce no momento em que começa a
caminhar. É ele o Dom Quixote, o homem que fará aquilo que não
estava nas previsões. Não era fatal, nem na sua loucura nem a sua
vida anterior, que ele fosse fazer tudo o que fez depois. Não há um
destino: há um momento em que começamos a caminhar. Começamos a
caminhar e caminhamos noutra direção. Não é, de fato, a direção
que parecia fatal, irrecusável… até podemos falar de
predestinação, se se quiser, mas o momento em que começamos a
caminhar é uma metáfora do movimento e não só do movimento
pessoal, também o movimento da sociedade.
José
Saramago, in As palavras de Saramago
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