quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A linguagem da guerra

Ilustração: Gonza Rodriguez

A linguagem da guerra Mediante uma hábil variante tática da estratégia prevista, nossa esquadra se lançou à carga surpreendendo o rival desprevenido. Foi um ataque demolidor. Quando as hostes locais invadiram o território inimigo, nosso aríete abriu uma brecha no flanco mais vulnerável da muralha defensiva e se infiltrou até a zona de perigo. O artilheiro recebeu o projétil, com uma manobra hábil colocou-se em posição de tiro, preparou o arremate e culminou a ofensiva disparando o canhonaço que aniquilou o guardião. Então o guardião vencido, custódio do bastião que parecia inexpugnável, caiu de joelhos com a cara entre as mãos, enquanto o verdugo que o havia fuzilado levantava os braços perante a multidão que o ovacionava.
O inimigo não bateu em retirada, mas seus ataques não conseguiam semear o pânico nas trincheiras locais e se despedaçavam uma e outra vez contra nossa bem encouraçada retaguarda. Seus homens disparavam com pólvora molhada, reduzidos à impotência pela galhardia de nossos gladiadores, que se batiam como leões. E então, desesperados ante a rendição inevitável, os rivais lançaram mão do arsenal da violência, ensanguentando o campo de jogo como se se tratasse de um campo de batalha. Quando dois dos nossos ficaram fora de combate, o público exigiu em vão o castigo máximo, mas impunemente continuaram as atrocidades próprias de um confronto bélico e indignas das regras cavalheirescas do nobre esporte do futebol.
Finalmente, quando o árbitro surdo e cego deu por concluída a contenda, uma merecida vaia despediu a esquadra vencida. E então o povo vitorioso invadiu o reduto e carregou nos braços os onze heróis desta épica vitória, esta façanha, esta epopeia que tanto sangue, suor e lágrimas nos custaram. E nosso capitão, envolto na bandeira pátria que nunca mais será maculada pela derrota, levantou o troféu e beijou a grande taça de prata. Era o beijo da glória!
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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