Ilustração: Gonza Rodriguez
A
linguagem da guerra Mediante uma hábil variante tática da
estratégia prevista, nossa esquadra se lançou à carga
surpreendendo o rival desprevenido. Foi um ataque demolidor. Quando
as hostes locais invadiram o território inimigo, nosso aríete abriu
uma brecha no flanco mais vulnerável da muralha defensiva e se
infiltrou até a zona de perigo. O artilheiro recebeu o projétil,
com uma manobra hábil colocou-se em posição de tiro, preparou o
arremate e culminou a ofensiva disparando o canhonaço que aniquilou
o guardião. Então o guardião vencido, custódio do bastião que
parecia inexpugnável, caiu de joelhos com a cara entre as mãos,
enquanto o verdugo que o havia fuzilado levantava os braços perante
a multidão que o ovacionava.
O
inimigo não bateu em retirada, mas seus ataques não conseguiam
semear o pânico nas trincheiras locais e se despedaçavam uma e
outra vez contra nossa bem encouraçada retaguarda. Seus homens
disparavam com pólvora molhada, reduzidos à impotência pela
galhardia de nossos gladiadores, que se batiam como leões. E então,
desesperados ante a rendição inevitável, os rivais lançaram mão
do arsenal da violência, ensanguentando o campo de jogo como se se
tratasse de um campo de batalha. Quando dois dos nossos ficaram fora
de combate, o público exigiu em vão o castigo máximo, mas
impunemente continuaram as atrocidades próprias de um confronto
bélico e indignas das regras cavalheirescas do nobre esporte do
futebol.
Finalmente,
quando o árbitro surdo e cego deu por concluída a contenda, uma
merecida vaia despediu a esquadra vencida. E então o povo vitorioso
invadiu o reduto e carregou nos braços os onze heróis desta épica
vitória, esta façanha, esta epopeia que tanto sangue, suor e
lágrimas nos custaram. E nosso capitão, envolto na bandeira pátria
que nunca mais será maculada pela derrota, levantou o troféu e
beijou a grande taça de prata. Era o beijo da glória!
Eduardo
Galeano, in Futebol ao sol e à sombra
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