O
barro entendia que estão abusando de sua docilidade para a feitura
de cerâmicas vulgares. A água queixou-se de recolher todas as
imundícies da Terra, ela que sempre foi sinônimo de limpeza. O boi
nem precisou falar: era a imagem da revolta contra o sacrifício da
espécie — de todas as espécies imoladas. “E a mim?” — gemeu
a árvore —, “a mim, que desempenho função vital no sistema da
Terra, tacam-me fogo ou retalham-me a serra e machado.”
Os
quatro concordaram que não está direito. Reclamaram do homem, e
este lhes declarou que não podia fazer nada. Vive onerado de
impostos, afligido de doenças, e mal tem tempo de se coçar. “Em
vez de me coçar”, acrescentou, “assisto a seriados americanos de
televisão, enquanto não se inventa outra coisa. E me entedio.
Voltem para seus lugares e guardem o que lhes digo. Vocês pensam que
ser homem é fácil?”
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos Plausíveis
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