domingo, 21 de fevereiro de 2016

Cultura com sotaque

Os processos culturais, como outros fenômenos sociais, se dão sempre do centro para as margens. Isso significa dizer que sempre é o centro econômico e político que determina o padrão de consumo dos bens simbólicos. Pequenas cidades não são capazes de produzir filmes, livros, discos, peças de teatro ou músicas capazes de se impor como tradição cultural, como referência para o restante da sociedade.
Nem a imprensa, que se quer guardiã dos valores da cidadania, da cultura, da ética, da moralidade, consegue fugir a esse brutal processo de alienação e pasteurização globalizada, e ela reproduz, invariavelmente, o senso comum emanado dos grandes centros urbanos.
Como um tsunami gigantesco, a globalização nos impõe padrões culturais estabelecidos muito longe daqui. Para alguns, devíamos todos ouvir as mesmas músicas, falar a mesma língua, ver os mesmos filmes, recitar as mesmas poesias, comer as mesmas batatas fritas...
Recentemente, a Unesco aprovou, depois de vários anos de discussão, a Convenção sobre Diversidade Cultural, que a imprensa brasileira, sempre tão rápida em defender os interesses hegemônicos, praticamente ignorou.
O Império queria tratar a cultura como um produto a ser regido pelas leis do comércio internacional, mas 148 países estabeleceram um marco legal de defesa da diversidade cultural.
Já podemos levantar a cabeça, já podemos nos orgulhar do nosso sotaque, da nossa origem interiorana: a ONU reconheceu o direito que temos de ser diferentes, a ONU reconheceu que a cultura não é uma mercadoria. Temos, sim, direito a políticas culturais de caráter nacional e de integração regional, direito a apoios institucionais a projetos culturais, de divulgação e de cotas de proteção dos mercados nacionais e regionais. A ONU reconheceu a ação predatória da globalização cultural e nos deu o direito de defesa a esses ataques.
E as armas do nosso contra-ataque são os nossos contos, as nossas poesias, as nossas músicas, os nossos romances e as nossas peças de teatro, tenham sotaque ou não.
Charles Kiefer, in Para ser escritor

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