Os
processos culturais, como outros fenômenos sociais, se dão sempre
do centro para as margens. Isso significa dizer que sempre é o
centro econômico e político que determina o padrão de consumo dos
bens simbólicos. Pequenas cidades não são capazes de produzir
filmes, livros, discos, peças de teatro ou músicas capazes de se
impor como tradição cultural, como referência para o restante da
sociedade.
Nem
a imprensa, que se quer guardiã dos valores da cidadania, da
cultura, da ética, da moralidade, consegue fugir a esse brutal
processo de alienação e pasteurização globalizada, e ela
reproduz, invariavelmente, o senso comum emanado dos grandes centros
urbanos.
Como
um tsunami gigantesco, a globalização nos impõe padrões culturais
estabelecidos muito longe daqui. Para alguns, devíamos todos ouvir
as mesmas músicas, falar a mesma língua, ver os mesmos filmes,
recitar as mesmas poesias, comer as mesmas batatas fritas...
Recentemente,
a Unesco aprovou, depois de vários anos de discussão, a Convenção
sobre Diversidade Cultural, que a imprensa brasileira, sempre tão
rápida em defender os interesses hegemônicos, praticamente ignorou.
O
Império queria tratar a cultura como um produto a ser regido pelas
leis do comércio internacional, mas 148 países estabeleceram um
marco legal de defesa da diversidade cultural.
Já
podemos levantar a cabeça, já podemos nos orgulhar do nosso
sotaque, da nossa origem interiorana: a ONU reconheceu o direito que
temos de ser diferentes, a ONU reconheceu que a cultura não é uma
mercadoria. Temos, sim, direito a políticas culturais de caráter
nacional e de integração regional, direito a apoios institucionais
a projetos culturais, de divulgação e de cotas de proteção dos
mercados nacionais e regionais. A ONU reconheceu a ação predatória
da globalização cultural e nos deu o direito de defesa a esses
ataques.
E
as armas do nosso contra-ataque são os nossos contos, as nossas
poesias, as nossas músicas, os nossos romances e as nossas peças de
teatro, tenham sotaque ou não.
Charles
Kiefer, in Para ser escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário