domingo, 15 de novembro de 2015

A sacralização do próprio texto

John William Waterhouse - Echo and Narcissus by John William Waterhouse
Echo and Narcissus (1903), de John William Waterhouse

A ninfa Liríope, mãe de Narciso, procurou Tirésias para saber se o filho que tivera com o rio Cefiso teria vida longa.
Sim – respondeu o vidente –, se ele jamais se conhecer.
O resto da história todos sabem. Apaixonado pela própria imagem refletida na fonte, o jovem esqueceu-se de comer e de dormir, definhou e morreu.
Se a mãe de um aluno de oficina literária me procurasse para saber se seu filho teria vida longa como escritor, eu responderia com as palavras de Sócrates e não com as de Tirésias:
Sim, se ele conhecer a si mesmo e se for capaz de compreender que sabe que nada sabe.
O aluno que sacraliza o próprio texto, que contempla demais a própria imagem, que não aceita a crítica, está fadado a ter o mesmo destino de Narciso – fenecer de inanição à beira da fonte.
Outros, menos vaidosos e mais abertos à dialética do desenvolvimento, serão capazes de ir mais longe, de produzir obra mais sólida, de construir carreira mais consistente.
Em meu já longo aprendizado como professor de escritores, vi talentos extraordinários, gênios precoces, candidatos poderosos à Grande Obra autodestruírem-se pelo amor exacerbado que devotavam a si mesmos. Suas produções, fechadas para o mundo, excessivamente coladas à própria experiência, retratos fiéis demais de sua própria subjetividade, boiarão para sempre sobre as águas da literatura como frágeis narcisos, monocromáticos, autorreferentes e desvitalizados.
Charles Kiefer, in Para ser escritor

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