Estávamos num cinema nos Estados
Unidos. Na nossa frente sentou-se um americano imenso decidido a não
passar fome antes do filme acabar. Trouxera do saguão um balde —
literalmente um balde — de pipocas, sobre as quais eles derramam um
líquido amarelo que pode até ser manteiga, e um pacote de M&M,
uma espécie de pastilha envolta em chocolate. Intercalava pipocas,
pastilhas de chocolate e goles de sua small Coke, que era
gigantesca, e parecia feliz. Fiquei pensando em como tudo naquela
sociedade é feito para saciar apetites infantis, que se caracterizam
por serem simples mas vorazes. As nossas poltronas eram ótimas, a
projeção do filme era perfeita, o filme era um exemplar impecável
de engenhosidade técnica e agradável imbecilidade. Essa competência
é o melhor subproduto da voracidade americana por prazeres simples.
O que atrai nos Estados Unidos é justamente a oportunidade de sermos
infantis sem parecermos débeis mentais, ou pelo menos sem destoarmos
da mentalidade à nossa volta, e de termos ao nosso alcance a
realização de todos os nossos sonhos de criança, quando ninguém
tinha senso crítico ou remorso.
Mas o infantilismo dominante tem seu
lado assustador. Nenhum carro de polícia ou de socorro do mundo é
tão espalhafatoso quanto os americanos. Numa sociedade de brinquedos
caros, quanto mais luzes e sirenas mais divertido, mas o espalhafato
também parece criar uma necessidade infantil de catástrofes cada
vez maiores. O caminho natural do apetite sem restrições é para o
caldeirão de pipocas, para a Mega Coke e para a chacina. Existe
realização infantil mais atraente do que poder entrar numa loja e
comprar não um brinquedo igualzinho a uma arma de verdade mas a
própria arma? Nos Estados Unidos pode. De vez em quando uma daquelas
crianças grandes resolve sair matando todo mundo, como no cinema,
mas a maioria dos que compram as armas e as munições só quer ter
os brinquedos em casa.
Vivemos nas bordas dessa voracidade ao
mesmo tempo ingênua e terrível, mas ela não parece entrar nas
nossas equações econômicas ou no cálculo dos nossos interesses.
Somos cada vez mais fascinados e menos críticos diante do grande
apetite americano e de um projeto de hegemonia chauvinista e
prepotente como sempre, agora camuflado pelos mitos da
“globalização”. Quando a prudência ensina que se deve olhar os
americanos do ponto de vista das pipocas.
Luís Fernando Veríssimo, em A mesa voadora

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