Clara Peck já vivia fazia uns dez
anos na velha casa quando fez a estranha descoberta. Na escada, a
meio caminho do segundo andar, no teto do patamar...
O alçapão.
“Meu Deus!”
Ela ficou petrificada no meio da
escada, observando aquela surpresa, desafiando sua existência.
“Não pode ser! Como posso ter sido
tão cega? Puxa vida! Tem um sótão na minha casa!”
Ela havia subido e descido a escada
milhares de vezes e nunca havia visto nada.
“Que idiota.”
E ela quase caiu ao tentar descer a
escada, esquecida do motivo que a havia levado a subi-la.
Antes do almoço ela voltou ao local
onde estava o alçapão e, como uma criança nervosa, de pele e
cabelos descorados, alta e magra, de olhos excessivamente brilhantes,
faiscantes, fixos, dardejantes.
“Agora que descobri essa coisa, o
que faço com ela? Aposto que é um depósito lá em cima.
Bem...”
E afastou-se, meio perturbada,
sentindo que sua mente escorregava em direção a uma zona nebulosa.
“Mande tudo isso para o inferno,
Clara Peck!”, exclamou enquanto passava o aspirador na sala. “Você
só tem cinqüenta e sete anos. Ainda não está caduca, Deus meu!”
Mas, mesmo assim, como é que ela
nunca notara?
Era a qualidade do silêncio, com
certeza. O telhado não tinha nenhuma goteira, ela nunca ouvira a
água pingando no forro, as altas vigas nunca haviam rangido com o
vento e também não havia ratos na casa. Se houvesse um murmúrio de
goteiras, estalidos de vigas, ou se os ratos dançassem no sótão,
ela teria olhado para cima e descoberto o alçapão.
Mas a casa permanecera silenciosa e
ela permanecera cega.
“Besteira!”, ela exclamou, na hora
do jantar.
Lavou a louça, leu até as dez, foi
deitar cedo.
Foi durante aquela noite que escutou
as primeiras batidas telegráficas, fracas, os primeiros arranhões
lá em cima, atrás da face pálida, lunar, inexpressiva do forro.
Meio adormecida, murmurou: “Rato?”.
Logo depois já era de manhã.
***
Enquanto descia as escadas para ir
preparar o café-da-manhã, ela olhava o alçapão com seu olhar
firme de menina e sentiu seus frios dedos se contraírem, agarrando o
corrimão.
“Droga”, ela resmungou. “Por que
me preocupar em dar uma olhada num sótão vazio. Talvez na próxima
semana.”
Durante os três dias seguintes, o
alçapão desapareceu.
Isto é, ela se esqueceu de olhar para
ele. Foi como se não estivesse lá.
Mas, por volta da meia-noite da
terceira noite, ela ouviu o som dos ratos ou dos sei-lá-o-quê
estendendo-se ao longo do forro do seu quarto como fantasmas de
algodãozinho-do-campo, tocando as perdidas superfícies da Lua.
Dessa imagem estranha ela passou a
sementes de amaranto ou de dente-de-leão ou poeira pura sacudida do
peitoril da janela do sótão.
Ela pensou em dormir, mas não
conseguiu.
Deitada de costas em sua cama, ela
observava o teto tão fixamente que poderia radiografar o que quer
que estivesse pulando por detrás do reboco.
Um circo de pulgas? Uma tribo de ratos
ciganos fugindo da casa do vizinho? Várias casas tinham sido
recentemente cobertas, de tal forma que pareciam escuras tendas de
circo, para que os exterminadores pudessem nelas introduzir bombas
mortais e depois correr, matando a vida secreta que ali existia.
A vida secreta, muito provavelmente,
fizera as malas e fugira. Pensão-Sótão de Clara Peck, refeições
gratuitas. Essa era sua nova casa, longe de casa.
Entretanto...
Enquanto ela fixava o olhar no teto,
os sons recomeçaram. Eles se agrupavam em diversos padrões, através
da fronte ampla do teto; unhas longas que, arranhando, iam de um
canto a outro da câmara fechada acima.
Clara Peck conteve a respiração.
O barulho aumentava. As leves pegadas
começaram a se concentrar em uma área acima e atrás da porta do
seu quarto. Era como se as minúsculas criaturas, seja lá o que
fossem, estivessem cavando uma outra porta secreta acima para saírem.
Vagarosamente, Clara Peck sentou-se na
cama e, vagarosamente, deixou seu peso cair no assoalho para que ele
não rangesse. Vagarosamente abriu a porta do quarto. Espreitou o
corredor iluminado pela luz fria da lua cheia que inundava a janela
do patamar, mostrando-lhe...
O alçapão.
Agora, como se convocados pelo calor
dela, os sons dos fantasmagóricos pezinhos lá em cima corriam para
determinado ponto, pressionando as beiradas do alçapão.
Santo Deus!, pensou Clara Peck.
Eles me ouvem. Eles querem que eu...
O alçapão trepidava suavemente com o
pequeno peso balouçante daquela coisa que ali estava sussurrando.
E os invisíveis pés de aranha ou de
roedores de pêlo encaracolado, ou de jornais velhos e amarelados,
cada vez mais faziam barulho e tocavam o batente de madeira.
Cada vez mais alto.
Clara estava a ponto de gritar: “Vão
embora! Fora!”.
Então o telefone tocou.
“Droga!”, disse Clara Peck
ofegante.
Ela sentiu uma tonelada de sangue
descer pelo corpo, como um peso morto esmagando os dedos dos pés.
“Droga!”
Ela correu para agarrar, levantar e
estrangular o telefone.
“Quem é!?”, gritou.
“Clara! É Emma Crowley! O que está
acontecendo aí?”
“Santo Deus!”, gritou Clara. “Você
quase me matou de susto! Emma, por que está me ligando tão tarde?”
Houve um longo silêncio até que a
mulher do outro lado da cidade recuperasse o fôlego.
“É uma tolice, eu não conseguia
dormir. Tive um pressentimento.”
“Emma...”
“Não, me deixe falar. De repente
pensei: Clara não está bem ou está ferida, ou...”
Clara Peck afundou-se na beirada da
cama, o peso da voz de Emma empurrando-a para baixo. Com os olhos
fechados, balançou a cabeça.
“Clara”, disse Emma a milhares de
quilômetros de distância, “você está bem?”
“Tudo bem”, disse Clara
finalmente.
“Não está doente? A casa não está
pegando fogo?”
“Não, não. Não.”
“Graças a Deus. Bobagem minha. Me
desculpa?”
“Desculpo.”
“Bem, então... boa noite.”
E Emma Crowley desligou.
Clara Peck continuou sentada olhando
para o fone por um minuto inteiro, ouvindo o sinal de que alguém
havia desligado. E então, finalmente, colocou o fone no gancho, às
cegas.
Ela voltou ao corredor para olhar o
alçapão.
Tudo estava quieto. Apenas um desenho
de folhas através da janela tremulava e batia na moldura de madeira.
Clara piscou para o alçapão.
“Vocês se acham espertos,
não é?”, ela disse.
Não houve mais sons de rondas,
danças, murmúrios ou pavanas de ratos durante o resto daquela
noite.
***
Os sons voltaram três noites depois e
eram... mais fortes.
“Não são camundongos”,
disse Clara Peck. “Ratazanas bem nutridas, hein?”
Em resposta, iniciou-se um balé
intrincado, em ziguezague e sem música. Esse sapateado, de um tipo
peculiar, continuou até a lua desaparecer. Então, logo que tudo
escureceu, a casa ficou silenciosa e só Clara Peck retomou o fôlego
e a vida.
No final da semana, os padrões dos
sons ficaram mais geométricos. Os sons ecoavam em cada cômodo do
andar superior, no quarto de costura, no velho quarto de dormir e na
biblioteca, onde algum antigo morador certa vez havia virado as
páginas e contemplado um mar de castanheiras.
Na décima noite, de olhos arregalados
e lívida, com os sons agora transformados em um rufar de tambores e
estranhas sincopadas às três da manhã, Clara Peck agarrou, com a
mão suada, o telefone para ligar para Emma Crowley.
“Clara! Eu sabia que você ia
me ligar.”
“Emma, são três da manhã. Você
não está surpresa?”
“Não, eu estava aqui deitada
pensando em você. Pensei em lhe telefonar, mas me senti uma tola.
Algo está errado, não é mesmo?”
“Emma, responda-me uma coisa. Uma
casa tem um sótão vazio durante anos e, de repente, passa a ter um
sótão cheio de coisas. Como se explica isso?”
“Eu não sabia que você tinha
um sótão...”
“Nem eu! Ouça, o barulho, no
início, parecia ser de camundongos, depois de ratos e, agora, deve
ser de gatos correndo lá em cima. O que eu faço?”
“O telefone da firma exterminadora
de ratos é... espere. Aqui está. Sete-sete-nove-nove. Você tem
certeza de que há alguma coisa no seu sótão?”
“Toda a maldita equipe de corrida do
colégio!”
“Quem morava na sua casa, Clara?”
“Quem?...”
“O que eu quero dizer é que o sótão
esteve limpo todo o tempo, certo, e agora, bem, está infestado.
Alguém já morreu nessa casa?”
“Morreu?”
“Claro, se alguém morreu aí talvez
não sejam ratos o que você tem no sótão.”
“Você está tentando me dizer...
fantasmas?”
“Você não acredita?”
“Em fantasmas ou nos assim chamados
amigos que tentam me aterrorizar falando deles? Não me ligue mais,
Emma!”
“Mas foi você que me ligou!”
“Desligue, Emma!”
Emma Crowley desligou.
Às três e quinze daquela fria
madrugada, Clara Peck avançou devagar pelo corredor, parou por
alguns instantes e, então, apontou para o teto como se o provocasse.
“Fantasmas?”, murmurou.
As dobradiças do alçapão, perdidas
na noite lá em cima, lubrificavam-se com o vento.
Clara Peck virou-se lentamente e
entrou no quarto e, consciente de cada movimento, deitou-se na cama.
Acordou às quatro e vinte da
madrugada porque uma rajada de vento sacudira toda a casa.
Lá no corredor, seria possível?
Ela se retesou toda, apurou os
ouvidos.
Muito devagar, muito suavemente, o
alçapão no forro da escada rangeu.
E escancarou-se.
Não é possível!, ela pensou.
A portinhola foi arremessada para
trás, para dentro e para baixo, com uma pancada.
É possível!, ela pensou. Não!
Vou me certificar, ela pensou.
Ela deu um pulo, correu, trancou a
porta, pulou de volta na cama.
“Alô, Ratozero Ltda.!”, ela ouviu
sua própria voz, abafada sob as cobertas.
***
Quando desceu, às seis da manhã, sem
ter dormido nada, ela manteve os olhos fixo à sua frente para não
ter de enxergar aquele teto amedrontador.
No meio do caminho, olhou para trás e
riu.
“Tolice!”, exclamou.
Porque o alçapão não estava aberto
de forma alguma.
Estava fechado.
“Ratozero Ltda.?”, ela disse ao
telefone, às sete e meia de uma radiante manhã.
***
Era meio-dia quando o caminhão da
Ratozero Ltda. parou em frente à casa de Clara Peck.
Pelo andar insolente que o jovem
técnico, sr. Timmons, exibia, desdenhosamente, Clara percebeu que
ele sabia tudo, absolutamente tudo sobre camundongos, traças, velhas
solteironas e sons estranhos tarde da noite. Quando se movia, ele
olhava para o mundo ao seu redor com a elegante empáfia masculina do
toureiro no centro da arena, ou do pára-quedista que acaba de tocar
o chão, ou do conquistador que acende o cigarro, de costas para a
pobre criatura que está na cama com ele. Ao tocar a campainha, ele
era o mensageiro de Deus. Quando Clara abriu a porta, quase a bateu
na cara dele por causa do modo como os olhos dele penetravam nela
através do vestido, da carne, dos pensamentos. O sorriso dele era o
de um alcoólatra. Estava bêbado de si mesmo. Só havia uma coisa a
fazer:
“Não fique aí parado!”, ela
gritou. “Faça alguma coisa útil!”
E girou nos calcanhares e se afastou
da expressão chocada do homem. Ela olhou para trás a fim de
verificar se tinha obtido o efeito desejado. Pouquíssimas mulheres
tinham falado assim com ele. Ele estava examinando a porta. Então,
curioso, entrou.
“Por aqui!”, disse Clara.
Ela desfilou pelo corredor, subiu os
degraus até o patamar, onde havia colocado uma escadinha de metal.
Estendeu a mão para cima, apontando.
“O sótão é ali. Veja se consegue
uma explicação razoável para esses malditos ruídos. E não me
cobre nenhum extra quando acabar. Limpe os pés antes de descer. Eu
tenho de sair para fazer compras. Posso confiar que o senhor não vai
aproveitar minha ausência para me roubar?”
Ela podia perceber como cada
provocação o desequilibrava. O rosto dele ficava vermelho. Seus
olhos brilhavam. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela
desceu as escadas para pôr um casaco leve.
“O senhor conhece o barulho de
camundongos num sótão?”, perguntou Clara, olhando sobre o ombro.
“Claro! Conheço bem pra ca...”,
respondeu o homem.
“Dobre a língua! Conhece o de
ratazanas também? Pode ser que sejam ratazanas ou um bicho maior.
Qual é o maior animal que se pode encontrar num sótão?”
“Será que não tem guaxinins por
aqui?”
“Como eles poderiam entrar?”
“A senhora não conhece sua própria
casa?! Eu...”
Os dois ficaram em silêncio.
Ouviram um barulho no sótão.
Parecia, a princípio, um prenúncio
de som. Depois um arranhão. E depois um som surdo como o de um
coração batendo.
Timmons olhou de relance para o
alçapão e grunhiu:
“Ei!”
Clara Peck assentiu e, satisfeita,
calçou as luvas, ajeitou seu chapéu enquanto observava.
“O som parece...”, falou
arrastadamente o sr. Timmons.
“O quê?”
“Algum capitão do mar viveu antes
nesta casa?”, perguntou finalmente.
Ouviu-se de novo o som, agora mais
alto. A casa inteira parecia mover-se e gemer com o peso daquilo que
estava se mexendo acima.
“Parece barulho de carga.” Timmons
fechou os olhos para ouvir melhor. “Carga de um navio,
deslocando-se quando o navio muda de curso.” Ele caiu na gargalhada
e abriu os olhos.
“Santo Deus!”, disse Clara,
tentando imaginar a cena.
“Por outro lado”, disse o sr.
Timmons com um meio sorriso em direção ao sótão, “a senhora tem
uma estufa ou algo parecido lá em cima? Parece o som de plantas
crescendo. Ou fermentação. Uma fermentação do tamanho de uma casa
de cachorro que saiu de controle. Ouvi falar de um homem, uma vez,
que cultivava fungos no porão. E...”
A porta da frente bateu.
Clara Peck, já do lado de fora da
casa, irritada com as piadas dele, disparou:
“Volto em uma hora. Avie-se!”
Ouviu a risada dele seguindo-a pela
calçada. Após uma pequena hesitação, voltou-se para olhar.
O idiota estava parado ao pé da
escadinha de metal, olhando para cima. Então, deu de ombros e fez um
gesto de “que-diabos-será-isso” e...
Subiu a escadinha, ágil como um
marinheiro.
***
Quando Clara Peck voltou, uma hora
mais tarde, viu que o caminhão da Ratozero Ltda. ainda permanecia
estacionado silenciosamente junto ao meio-fio.
“Droga”, disse ela. “Pensei que
ele já tivesse acabado. Um homem esquisito desses invadindo a casa,
xingando...”
Ela parou e ficou ouvindo a casa.
Silêncio.
“Estranho”, ela murmurou.
“Senhor Timmons!?”, ela gritou.
E, percebendo que ainda estava um
pouco longe da porta escancarada da frente da casa, aproximou-se e
gritou através da porta de tela.
“Alguém em casa?”
Passou pela porta e entrou em um
silêncio como o que havia na casa nos velhos tempos, antes de os
camundongos terem se transformado em ratazanas e as ratazanas em algo
muito maior e mais sombrio no assoalho do sótão. Era um silêncio
tão denso que, se alguém respirasse nele, seria sufocado. Ela
inclinou-se para um lado, ao pé da escada, olhando para cima,
segurando o pacote de compras nos braços como se fosse uma criança
morta.
“Senhor Timmons...?”
A casa toda, entretanto, continuou em
silêncio.
A escada portátil ainda estava
esperando no patamar.
Mas o alçapão estava fechado.
Bem, ele, obviamente, não está lá
em cima!, ela pensou. Ele não iria subir e se fechar lá dentro. O
idiota deve ter ido embora.
Ela voltou-se, franzindo os olhos em
direção ao caminhão, abandonado em plena luz do meio-dia.
O caminhão deve ter estragado,
suponho.
Ele foi buscar ajuda.
Deixou as compras na cozinha e, pela
primeira vez em anos, sem saber por quê, acendeu um cigarro, fumou,
acendeu outro e preparou um almoço barulhento, batendo as
frigideiras e deixando o abridor de latas elétrico ligado.
A casa ouvia tudo isso e não dava
nenhuma resposta.
Por volta das duas da tarde, o
silêncio pesava sobre ela como uma nuvem de cera de assoalho.
“Ratozero Ltda.”, ela disse
enquanto discava o número.
O dono da firma chegou meia hora
depois, de motocicleta, para buscar o caminhão abandonado. Tirando o
boné, ele entrou para conversar com Clara Peck, olhar os cômodos
vazios e avaliar o silêncio.
“Não esquenta, madame”, disse
finalmente. “Charlie tem se metido em bebedeiras ultimamente;
quando ele aparecer amanhã será despedido. O que ele estava fazendo
aqui?”
Então, ele deu uma olhada para os
degraus da escadinha no patamar.
“Ah”, disse Clara Peck,
rapidamente, “ele estava apenas olhando... tudo.”
“Eu mesmo virei amanhã”, disse o
proprietário da firma.
E enquanto ele se afastava na tarde,
Clara Peck lentamente subiu os degraus para ficar mais próxima do
teto e observar o alçapão.
“Ele também não viu você”,
ela murmurou.
Nenhum estalido de viga, nenhuma dança
de camundongos no sótão.
Ela permaneceu estática, sentindo a
luz do sol mudar de posição e entrar pela porta da frente.
“Por quê?”, ela se perguntava.
“Por que eu menti? Bem, uma coisa é certa, o alçapão está
fechado, não é mesmo?”
E, não sei por quê, ela pensou,
mas não vou querer ninguém mais subindo esta escada, nunca mais.
Não é uma tolice? Não é estranho?
***
Jantou cedo, ouvidos em pé.
Lavou a louça, atenta.
Deitou-se às dez em ponto, mas no
velho quarto de empregada, no andar térreo, sem uso já havia muito
tempo. Por que motivo ela escolhera aquele quarto para dormir, ela
não sabia, ela simplesmente o fez, e deitou-se lá, com os ouvidos
doendo, sentindo a pulsação no pescoço e na fronte.
Dura como um túmulo entalhado sobre
os lençóis, ela esperava.
Por volta da meia-noite, sentiu um
vento passar por ela agitando o desenho de folhas em sua colcha. Seus
olhos se arregalaram.
As vigas da casa tremiam.
Levantou a cabeça.
Alguma coisa sussurrava delicadamente
no sótão.
Sentou-se na cama.
O som estava cada vez mais alto, mais
pesado, como se um animal grande e disforme estivesse rondando pela
escuridão do sótão.
Colocou os pés no chão e ficou
olhando para eles. O barulho voltou, lá em cima, ao longe, ora
ligeiro como o ruído de pés de coelho, ora surdo como a batida de
um grande coração.
Ray Bradbury, em A cidade inteira dorme e outros contos breves

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