Dear
Friend
Compositores:
Paul McCartney e Linda McCartney
Artista:
Paul McCartney e Wings
Gravação:
Abbey Road Studios, Londres
Lançamento:
Wild Life, 1971
Dear
friend, what’s the time?
Is
this really the borderline?
Does
it really mean so much to you?
Are
you afraid, or is it true?
Dear
friend, throw the wine
I’m
in love with a friend of mine
Really
truly, young and newly wed
Are
you a fool, or is it true?
Are
you afraid, or is it true?
Muitas
vezes, eu pensava em John e em como foi uma pena termos discutido em
algumas ocasiões de modo tão público e tão cruel. Quando eu
compus esta canção, no comecinho de 1971, ele tinha chamado o álbum
McCartney de “lixo” na revista Rolling Stone. Foi
um período bem complicado. Me bateu uma tristeza pelo rompimento da
nossa amizade, e esta canção meio que veio à tona. “Dear
friend, what’s the time?/ Is this really the borderline?”.
Vamos nos separar? É aqui que você pega o seu rumo, e eu sigo o meu
caminho? (“you go your way; I’ll go mine”).
No
finzinho de 1969, John veio muito faceiro e nos disse que estava tudo
acabado. Na ocasião, alguns de nós estávamos presentes na sala de
reuniões da Apple. Acho que George estava visitando a família, e
Ringo e eu estávamos lá, mas John dizia “não” a toda e
qualquer sugestão. Eu achava que deveríamos voltar a tocar em shows
menores, mas a resposta veio: “Não”. Por fim, John disparou:
“Sabe, eu tenho uma coisa para dizer a vocês: estou saindo dos
Beatles”. Ficamos todos chocados. As relações estavam tensas, mas
ficamos ali sentados nos perguntando: “Como é? Por quê? Por quê?
Por quê?”. Era como um divórcio, e ele tinha acabado de se
divorciar de Cynthia no ano anterior. Eu me lembro de que ele disse:
“Ah, isso é muito emocionante”. Isso era bem típico de John, e
eu admirava esse tipo de comportamento contraditório nele desde que
éramos garotos, quando o conheci. Ele era mesmo um pouco maluco, no
melhor sentido possível. Conseguimos entender o que ele quis dizer,
mas não pareceu tão emocionante para quem ficou do outro lado.
Na
imprensa, eu mantive silêncio sobre a separação de John e os
Beatles. Eu realmente não tinha muitas acusações para lançar, mas
John lançava algumas nas entrevistas. Ele me acusou de anunciar a
separação dos Beatles para promover o álbum McCartney, mas
eu só estava respondendo com honestidade às perguntas da coletiva
de imprensa na Apple. Eu não queria dar entrevistas para promover o
disco, mas Peter Brown da Apple fez perguntas como: “Está
planejando um novo álbum ou single com os Beatles?”. Minha
resposta foi: “Não”. Eu não via razões para mentir.
John
dizia coisas como: “Foi uma porcaria. Os Beatles eram uma droga”.
Além disso: “Eu não acredito nos Beatles, não acredito em Jesus,
não acredito em Deus”. Farpas muito dolorosas de se atirar por aí,
e eu era o alvo das farpas, e isso foi doído. Lá estava eu, tendo
que ler tudo isso e, por um lado, fiquei pensando: “Vá se ferrar,
seu idiota maldito”. Mas, por outro, pensei: “Por que você está
dizendo isso? Está aborrecido comigo, com ciúme ou o quê?”. E
pensando cinquenta anos depois, eu ainda me pergunto como ele deve
ter se sentido. Ele tinha enfrentado muita coisa. O pai dele sumiu de
casa, ele perdeu o tio George, que era uma figura paterna; a mãe
dele; Stuart Sutcliffe; Brian Epstein, outra figura paterna; e agora
a banda dele. Mas John pegou todas essas emoções e as envolveu numa
bola de Lennon. Era isso que o formava. Era esse o fascínio.
Eu
bem que tentei. Eu estava meio que respondendo a ele aqui,
perguntando: “Precisa ser assim tão doloroso?”. Eu acho que este
é um bom verso: “Are you afraid, or is it true?”. Em
outras palavras: “Por que essa discussão está acontecendo? Será
porque você tem medo de alguma coisa? Tem medo da separação? Tem
medo de que eu faça algo sem você? Tem medo das consequências de
seus atos?”. E a parte “Or is it true?”: São
verdadeiras todas essas alegações lesivas? Esta canção brotou
nesse tipo de espírito. Poderia ser chamada de “What the Fuck,
Man?” (“Que porra é essa, cara?”), mas não sei se
teríamos escapado impunes então.
Será
que nós três – George, Ringo e eu – pensamos em continuar sem
John? Acho que não. Éramos uma unidade, um quarteto. Chegamos até
a brincar sobre formarmos um grupo chamado “The Threetles”, mas
não pensamos nisso seriamente. Nunca passou de uma piada.
Fizemos
algumas coisinhas juntos antes de cada um seguir o seu caminho. Yoko,
John e eu fizemos “The Ballad of John and Yoko”. Ele me chamou
porque sabia que essa era uma ótima maneira de fazer um disco.
“Vamos dar uma passadinha no estúdio Abbey Road. Quem mora ali
perto? Paul. Quem vai tocar bateria nessa gravação? Paul. Quem sabe
tocar baixo? Paul. E quem vai fazer isso se eu pedir com jeitinho?
Paul.” Não se acanhou nem um pouco em perguntar. É provável que
ele tenha dito algo como: “Ah, tem esta canção que eu quero
gravar. Quer participar?”. E é provável que eu tenha dito: “Sim,
por que não?”.
Ainda
existiam muitas pontas soltas a amarrar. Ainda tínhamos que superar
toda a questão comercial. Lembre-se de que eu o processei no
tribunal. Processei meus amigos de Liverpool, meus amigos de longa
data, no tribunal. Mas, no final, acho que tocar naquela sessão com
ele e Yoko contribuiu para que depois tivéssemos algumas reuniões e
conversas amigáveis. Acho que esta canção, “Dear Friend”,
também ajudou. Imagino que ele tenha ouvido. Acho que ele ouvia os
meus discos quando eram lançados, mas nunca me respondia
diretamente. Esse não era o estilo dele. Éramos dois caras; não
era tipo menino e menina. Naquela época, dois amigos não costumavam
demonstrar muitas emoções um para o outro.
Fiquei
muito contente por termos voltado a nos dar bem naqueles últimos
anos, por termos passado bons momentos antes de ele ser assassinado.
Sem dúvida, para mim, teria sido a pior coisa do mundo se ele
tivesse sido morto enquanto o nosso relacionamento ainda estava ruim.
Eu ia pensar: “Ah, se eu tivesse feito isso, se eu tivesse feito
aquilo...”. Teria sido uma grande jornada de culpa para mim. Mas,
felizmente, o nosso último encontro foi muito cordial. Conversamos
sobre técnicas de fazer pão.
Paul McCartney, em As Letras – 1956 até o presente

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