sexta-feira, 2 de maio de 2025

Dear Friend


Dear Friend
Compositores: Paul McCartney e Linda McCartney
Artista: Paul McCartney e Wings
Gravação: Abbey Road Studios, Londres
Lançamento: Wild Life, 1971

Dear friend, what’s the time?
Is this really the borderline?
Does it really mean so much to you?
Are you afraid, or is it true?
Dear friend, throw the wine
I’m in love with a friend of mine
Really truly, young and newly wed
Are you a fool, or is it true?
Are you afraid, or is it true?

Muitas vezes, eu pensava em John e em como foi uma pena termos discutido em algumas ocasiões de modo tão público e tão cruel. Quando eu compus esta canção, no comecinho de 1971, ele tinha chamado o álbum McCartney de “lixo” na revista Rolling Stone. Foi um período bem complicado. Me bateu uma tristeza pelo rompimento da nossa amizade, e esta canção meio que veio à tona. “Dear friend, what’s the time?/ Is this really the borderline?”. Vamos nos separar? É aqui que você pega o seu rumo, e eu sigo o meu caminho? (“you go your way; I’ll go mine”).
No finzinho de 1969, John veio muito faceiro e nos disse que estava tudo acabado. Na ocasião, alguns de nós estávamos presentes na sala de reuniões da Apple. Acho que George estava visitando a família, e Ringo e eu estávamos lá, mas John dizia “não” a toda e qualquer sugestão. Eu achava que deveríamos voltar a tocar em shows menores, mas a resposta veio: “Não”. Por fim, John disparou: “Sabe, eu tenho uma coisa para dizer a vocês: estou saindo dos Beatles”. Ficamos todos chocados. As relações estavam tensas, mas ficamos ali sentados nos perguntando: “Como é? Por quê? Por quê? Por quê?”. Era como um divórcio, e ele tinha acabado de se divorciar de Cynthia no ano anterior. Eu me lembro de que ele disse: “Ah, isso é muito emocionante”. Isso era bem típico de John, e eu admirava esse tipo de comportamento contraditório nele desde que éramos garotos, quando o conheci. Ele era mesmo um pouco maluco, no melhor sentido possível. Conseguimos entender o que ele quis dizer, mas não pareceu tão emocionante para quem ficou do outro lado.
Na imprensa, eu mantive silêncio sobre a separação de John e os Beatles. Eu realmente não tinha muitas acusações para lançar, mas John lançava algumas nas entrevistas. Ele me acusou de anunciar a separação dos Beatles para promover o álbum McCartney, mas eu só estava respondendo com honestidade às perguntas da coletiva de imprensa na Apple. Eu não queria dar entrevistas para promover o disco, mas Peter Brown da Apple fez perguntas como: “Está planejando um novo álbum ou single com os Beatles?”. Minha resposta foi: “Não”. Eu não via razões para mentir.
John dizia coisas como: “Foi uma porcaria. Os Beatles eram uma droga”. Além disso: “Eu não acredito nos Beatles, não acredito em Jesus, não acredito em Deus”. Farpas muito dolorosas de se atirar por aí, e eu era o alvo das farpas, e isso foi doído. Lá estava eu, tendo que ler tudo isso e, por um lado, fiquei pensando: “Vá se ferrar, seu idiota maldito”. Mas, por outro, pensei: “Por que você está dizendo isso? Está aborrecido comigo, com ciúme ou o quê?”. E pensando cinquenta anos depois, eu ainda me pergunto como ele deve ter se sentido. Ele tinha enfrentado muita coisa. O pai dele sumiu de casa, ele perdeu o tio George, que era uma figura paterna; a mãe dele; Stuart Sutcliffe; Brian Epstein, outra figura paterna; e agora a banda dele. Mas John pegou todas essas emoções e as envolveu numa bola de Lennon. Era isso que o formava. Era esse o fascínio.
Eu bem que tentei. Eu estava meio que respondendo a ele aqui, perguntando: “Precisa ser assim tão doloroso?”. Eu acho que este é um bom verso: “Are you afraid, or is it true?”. Em outras palavras: “Por que essa discussão está acontecendo? Será porque você tem medo de alguma coisa? Tem medo da separação? Tem medo de que eu faça algo sem você? Tem medo das consequências de seus atos?”. E a parte “Or is it true?”: São verdadeiras todas essas alegações lesivas? Esta canção brotou nesse tipo de espírito. Poderia ser chamada de “What the Fuck, Man?” (“Que porra é essa, cara?”), mas não sei se teríamos escapado impunes então.
Será que nós três – George, Ringo e eu – pensamos em continuar sem John? Acho que não. Éramos uma unidade, um quarteto. Chegamos até a brincar sobre formarmos um grupo chamado “The Threetles”, mas não pensamos nisso seriamente. Nunca passou de uma piada.
Fizemos algumas coisinhas juntos antes de cada um seguir o seu caminho. Yoko, John e eu fizemos “The Ballad of John and Yoko”. Ele me chamou porque sabia que essa era uma ótima maneira de fazer um disco. “Vamos dar uma passadinha no estúdio Abbey Road. Quem mora ali perto? Paul. Quem vai tocar bateria nessa gravação? Paul. Quem sabe tocar baixo? Paul. E quem vai fazer isso se eu pedir com jeitinho? Paul.” Não se acanhou nem um pouco em perguntar. É provável que ele tenha dito algo como: “Ah, tem esta canção que eu quero gravar. Quer participar?”. E é provável que eu tenha dito: “Sim, por que não?”.
Ainda existiam muitas pontas soltas a amarrar. Ainda tínhamos que superar toda a questão comercial. Lembre-se de que eu o processei no tribunal. Processei meus amigos de Liverpool, meus amigos de longa data, no tribunal. Mas, no final, acho que tocar naquela sessão com ele e Yoko contribuiu para que depois tivéssemos algumas reuniões e conversas amigáveis. Acho que esta canção, “Dear Friend”, também ajudou. Imagino que ele tenha ouvido. Acho que ele ouvia os meus discos quando eram lançados, mas nunca me respondia diretamente. Esse não era o estilo dele. Éramos dois caras; não era tipo menino e menina. Naquela época, dois amigos não costumavam demonstrar muitas emoções um para o outro.
Fiquei muito contente por termos voltado a nos dar bem naqueles últimos anos, por termos passado bons momentos antes de ele ser assassinado. Sem dúvida, para mim, teria sido a pior coisa do mundo se ele tivesse sido morto enquanto o nosso relacionamento ainda estava ruim. Eu ia pensar: “Ah, se eu tivesse feito isso, se eu tivesse feito aquilo...”. Teria sido uma grande jornada de culpa para mim. Mas, felizmente, o nosso último encontro foi muito cordial. Conversamos sobre técnicas de fazer pão.

Paul McCartney, em As Letras – 1956 até o presente

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