A
primeira vez que eu e Lafe fomos colher algodão. Pai não quer suar,
porque se arriscaria a morrer da doença que tem, por isso todo mundo
nos vem ajudar. E Jewel não se importa com nada, ele não parece de
nosso sangue nessa coisa de demonstrar interesse. E Cash é como se
serrasse nas tábuas os dias compridos, quentes e tristes, para
pregá-las em alguma coisa. E Pai pensa que os vizinhos sempre se
mostrarão solícitos, pois sempre esteve muito ocupado em deixar que
os vizinhos trabalhem para ele, sem imaginar mais nada. E não creio,
também, que Darl pense nisso, porque se senta à mesa, para o
jantar, com os olhos postos além da comida e da lâmpada, cheios de
terra tirada de sua cabeça, e com as órbitas cheias da distância
para além da plantação.
Colhemos
algodão ao longo do renque, os bosques cada vez mais próximos e
mais próxima a sombra secreta, avançando na direção da sombra
secreta com meu saco e o saco de Lafe. Porque eu disse: “Talvez eu
queira ou não, quando o saco estiver pela metade.” Porque eu
disse: “Se o saco estiver cheio quando chegarmos aos bosques, não
terá sido por minha vontade.” Eu disse: “Se não estiver escrito
que terei de fazer isto, o saco não estará cheio e eu voltarei pelo
renque próximo, mas se o saco estiver cheio, não terei jeito a
dar.” E colhemos algodão na direção da sombra secreta e nossos
olhos procuravam os do outro, e nossas mãos se tocavam e eu sem
dizer nada. Eu disse: “Que está fazendo?” E ele disse: “Estou
pondo algodão no seu saco.” E, assim, o saco estava cheio quando
chegamos ao fim do renque de algodão e eu não pude evitar.
E
assim aconteceu porque não tive outro jeito. Aconteceu então, e eu
vi Darl e ele soube. Ele disse que sabia sem precisar falar, da mesma
forma que me disse que Mãe está morrendo sem precisar falar, e eu
soube que ele sabia por que, se ele dissesse que sabia, com palavras,
eu não teria acreditado que ele estivera ali por perto e nos vira.
Mas ele disse que sabia mesmo, e eu disse: “Você vai contar a Pai,
você vai matá-lo?” Disse-lhe isto sem falar, e ele disse: “Por
quê?”, também sem falar. E por isso é que eu lhe posso falar com
certeza, com ódio, porque ele sabe.
Ele
fica parado à porta, olhando para ela. “Que deseja, Darl?”, eu
digo. “Ela vai morrer”, ele diz. E aquela velha ave de rapina
Tull que vem vê-la morrer, mas eu posso enganá-los. “Quando ela
vai morrer?”, eu digo. “Antes de voltarmos”, ele diz. “Nesse
caso, por que leva Jewel?”, eu digo. “Preciso dele para me ajudar
com a carga”, ele diz.
William Faulkner, em Enquanto Agonizo

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