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Adam
passou seus cinco anos seguintes fazendo as coisas que um exército
usa para impedir que seus homens enlouqueçam — polimento
interminável de metais e couros, parada, ordem-unida e escolta,
cerimônia de clarim e bandeira, um balé de ocupações para homens
que não estão fazendo nada. Em 1886, estourou a grande greve das
fábricas de carne enlatada em Chicago e o regimento de Adam foi
treinado, mas a greve se resolveu antes que ele fosse necessário. Em
1888, os índios Seminole, que nunca haviam assinado um tratado de
paz, ficaram indóceis e agitados, e a cavalaria foi treinada de
novo; mas os Seminole se retiraram para os seus charcos e ficaram
quietos, e a rotina sonâmbula se instalou entre as tropas de novo.
O
intervalo de tempo é uma questão estranha e contraditória na
mente. Seria sensato supor que um tempo de rotina ou um tempo sem
acontecimentos pareceria interminável. Deveria ser assim, mas não
é. São os tempos monótonos e parados que não têm nenhuma
duração. Um tempo salpicado de interesses, marcado pela tragédia,
recheado de alegrias — este é o tempo que parece longo na memória.
E é assim quando se pensa a respeito. A falta de acontecimentos não
tem postes para marcar sua duração. Entre o nada e o nada não há
tempo algum.
O
segundo período de cinco anos de Adam acabou antes que ele se desse
conta. Era o final de 1890 e ele foi dispensado com divisas de
sargento no Presídio em São Francisco. Cartas entre Charles e Adam
tinham se tornado uma grande raridade, mas Adam escreveu ao irmão
pouco antes de dar baixa. “Desta vez estou indo para casa”, e foi
a última coisa que Charles soube dele por mais de três anos.
Adam
esperou que o inverno passasse, subindo o rio lentamente até
Sacramento, vagueando no vale do San Joaquin e quando a primavera
chegou Adam não tinha mais nenhum dinheiro. Enrolou um cobertor e
iniciou uma lenta jornada para o leste, às vezes caminhando e às
vezes com grupos de homens nos tirantes debaixo de trens de carga
lentos. À noite, ele acampava com vagabundos nos arredores das
cidades. Aprendeu a mendigar, não por dinheiro, mas por comida. E
antes que percebesse ele mesmo era um vagabundo.
Homens
desse tipo são raros hoje em dia, mas nos anos 1890 havia muitos
deles, homens errantes, homens solitários, que queriam as coisas
daquele jeito. Alguns deles fugiam de responsabilidades e alguns se
sentiam injustamente rejeitados pela sociedade. Trabalhavam um pouco,
mas não por muito tempo. Roubavam um pouco, mas só comida, e de vez
em quando pegavam uma roupa de um varal. Eram todo tipo de homens —
homens instruídos e homens ignorantes, homens limpos e homens sujos
—, mas todos eles tinham a inquietação em comum. Seguiam o calor,
mas evitavam o calor excessivo e o frio excessivo. À medida que a
primavera avançava, eles a acompanhavam para o leste, e a primeira
geada os impelia para o oeste e o sul. Eram irmãos do coiote que,
sendo selvagem, vive perto do homem e dos seus galinheiros: ficavam
perto das cidades, mas não dentro delas. Associações com outros
homens duravam uma semana, ou um dia, e depois cada um seguia o seu
caminho.
Em
torno das pequenas fogueiras onde borbulhava o ensopado comunitário,
circulava todo tipo de conversa e só os assuntos pessoais não eram
mencionados. Adam ouviu falar do surgimento da Central Sindical dos
Trabalhadores da Indústria com seus anjos irados. Escutou discussões
filosóficas, sobre metafísica, estética e experiência impessoal.
Seus companheiros da noite podiam ser um assassino, um padre
destituído ou que largou a batina por escolha própria, um professor
que deixou um bom emprego numa faculdade enfadonha, um homem
solitário perseguido pelas lembranças, um anjo caído e um diabo em
treinamento, e cada um contribuía com nacos de pensamento à
fogueira assim como contribuía com cenouras, batatas, cebolas e
carne para o ensopado. Aprendeu a técnica de fazer a barba com caco
de vidro, a estudar uma casa antes de bater para pedir um prato de
comida. Aprendeu a evitar ou lidar com policiais hostis e a julgar
uma mulher pelo calor do seu coração.
Adam
sentia prazer em sua nova vida. Quando o outono tocou as árvores,
ele havia chegado tão longe quanto a cidade de Omaha, e sem
perguntas, motivo ou pensamento apressou-se a tomar o rumo do oeste e
do sul, atravessou as montanhas e chegou com alívio ao sul da
Califórnia. Caminhou pelo litoral da divisa norte até San Luis
Obispo e aprendeu a pegar moluscos, enguias, mexilhões e percas nas
poças formadas pela maré, a achar mariscos cavando em bancos de
areia e a capturar coelhos nas dunas com um laço de linha de pescar.
E ficava deitado na areia aquecida pelo sol contando as ondas.
A
primavera o chamou de novo para o leste, porém mais lentamente do
que antes. O verão estava frio nas alturas e o pessoal das montanhas
foi bondoso como as pessoas solitárias costumam ser. Adam conseguiu
emprego no rancho de uma viúva nos arredores de Denver e
compartilhou sua mesa e cama humildemente até que a geada o impeliu
de novo para o sul. Seguiu o Rio Grande passando por Albuquerque e El
Paso, contornando a Grande Curva, atravessando Laredo e chegando a
Brownsville. Aprendeu as palavras espanholas para comida e prazer, e
aprendeu que quando as pessoas são muito pobres elas ainda têm algo
para dar e o impulso de dar. Criou um amor pelos pobres que não
poderia ter concebido se não fosse ele mesmo pobre. E a esta altura
era um vagabundo experiente, usando a humildade como o seu princípio
de ação. Ficou esguio e bronzeado do sol e podia anular sua
personalidade a ponto de não provocar nenhum sentimento de raiva ou
inveja. Sua voz tornara-se macia e havia combinado muitos sotaques e
dialetos em sua própria fala, de modo a não parecer estrangeiro em
lugar algum. Esta era a grande segurança do vagabundo, um véu
protetor. Muito raramente viajava como clandestino em trens, pois
havia uma hostilidade crescente contra os vagabundos, baseada na
raiva violenta da Central Sindical dos Trabalhadores da Indústria e
agravada pelas ferozes represálias contra eles. Adam foi detido por
vadiagem. A rápida brutalidade dos policiais e dos prisioneiros o
apavorou e o fez afastar-se das rodas de vagabundos. Viajava sozinho
depois disso e se certificava de estar bem barbeado e limpo.
Quando
a primavera voltou, partiu para o norte. Sentia que o seu tempo de
descanso e paz estava terminado. Rumou ao norte em direção a
Charles e às memórias evanescentes da sua infância.
Adam
deslocou-se rapidamente através do interminável leste do Texas,
através da Louisiana e dos extremos meridionais do Mississippi e do
Alabama, até o flanco da Flórida. Sentia que precisava andar
rápido. Os negros eram pobres o bastante para serem generosos, mas
ele não podia confiar em nenhum branco, por mais pobre que fosse, e
os brancos pobres tinham medo de forasteiros.
Perto
de Tallahassee, foi detido pelos homens do xerife, julgado vadio e
colocado num grupo de trabalhos forçados. Era assim que se
construíam estradas. Sua sentença foi de seis meses. Foi solto e
imediatamente detido para cumprir mais seis meses. E agora aprendeu
como os homens podem considerar outros homens como bestas e que a
melhor maneira de lidar com tais homens era agir como besta. Um rosto
limpo, um rosto aberto, um olho erguido para encontrar outro olho —
essas coisas chamavam atenção e isso por sua vez trazia punição.
Adam pensava como um homem que se machucou enquanto fazia uma coisa
feia ou brutal, e que agora precisava punir alguém por causa daquele
machucado. Ser vigiado no trabalho por homens com espingardas, ser
algemado pelo tornozelo e preso a uma corrente à noite eram simples
questões de precaução, mas os selvagens açoites pelo menor sinal
de contrariedade, pelo menor resquício de dignidade ou resistência
pareciam indicar que os guardas tinham medo dos prisioneiros e Adam
sabia, pelos anos passados no Exército, que um homem com medo é um
animal perigoso. E Adam, como qualquer um no mundo, temia o que os
açoites poderiam fazer ao seu corpo e ao seu espírito. Puxou uma
cortina ao seu redor. Removeu qualquer expressão do seu rosto, luz
dos seus olhos, e silenciou a sua fala. Mais tarde, não ficou tão
espantado que aquilo tivesse acontecido com ele, mas que conseguisse
absorver e com um mínimo de dor. Foi muito mais horrível depois do
que quando estava acontecendo. É um triunfo do autocontrole ver um
homem chicoteado até que os músculos das suas costas se mostrem
brancos e brilhantes através dos cortes e não dar nenhum sinal de
piedade, raiva ou interesse. E Adam aprendeu isso.
As
pessoas são sentidas, mais do que vistas, após os primeiros
momentos. Durante a sua segunda sentença nas estradas da Flórida,
Adam reduziu sua personalidade ao mínimo. Não causava nenhuma
agitação, não emitia nenhuma vibração, tornou-se quase tão
invisível quanto é possível ser. E, quando os guardas não podiam
senti-lo, não tinham medo dele. Deram-lhe tarefas de limpeza no
acampamento, de distribuir o mingau para os prisioneiros, de encher
os baldes de água.
Adam
esperou até três dias antes da sua segunda liberação. Pouco
depois do meio-dia, ele encheu os baldes de água e voltou ao riacho
para pegar mais. Encheu seus baldes com pedras e os afundou, então
esgueirou-se até a água e nadou um longo trecho rio abaixo,
descansou, e nadou mais outro trecho. Continuou deslocando-se pela
água até que ao entardecer encontrou um lugar debaixo de um
barranco com arbustos para se esconder. Não saiu da água.
Mais
tarde na noite ouviu os cães farejadores passarem, cobrindo ambos os
lados do rio. Havia esfregado seus cabelos com folhas verdes para
ocultar o odor humano. Ficou sentado na água com o nariz e os olhos
alertas. De manhã os cães voltaram, desinteressados, e os homens
estavam cansados demais para investigar as margens adequadamente.
Quando tinham ido embora, Adam puxou um pedaço encharcado de carne
de porco frita e comeu.
Havia
treinado a si mesmo contra a pressa. A maioria dos homens é apanhada
quando foge como um relâmpago. Adam levou cinco dias para percorrer
a curta distância até a Geórgia. Não corria riscos, continha sua
impaciência com um controle de ferro. Ficou espantado com a sua
capacidade.
Nos
arredores de Valdosta, na Geórgia, ficou escondido até bem depois
da meia-noite, entrou na cidade como uma sombra, esgueirou-se para
trás de um armazém barato, forçou uma janela lentamente até que
os parafusos da tranca foram arrancados da madeira apodrecida.
Recolocou a tranca, mas deixou a janela aberta. Tinha de trabalhar à
luz do luar que mal atravessava as janelas sujas. Furtou uma calça
barata, uma camisa branca, sapatos pretos, um chapéu preto e uma
capa de chuva, e experimentou cada artigo para ver se lhe servia.
Certificou-se de que nada parecia fora de ordem antes de saltar para
fora pela janela. Tudo o que tirou foi de um estoque farto. Nem
chegou a olhar para a caixa registradora. Abaixou a janela
cuidadosamente e deslizou de sombra em sombra sob o luar.
Ficava
escondido durante o dia e saía em busca de comida à noite —
nabos, algumas espigas de milho de uma manjedoura, algumas maçãs
derrubadas pelo vento. Tirou a aparência de novo dos sapatos
esfregando areia neles e amarrotou a capa de chuva para lhe dar um
aspecto de usada. Esperou três dias para que caísse a chuva de que
ele precisava ou que, em sua cautela extremada, achava que precisava.
A
chuva começou no final da tarde. Adam enroscou-se debaixo de sua
capa de chuva, esperando que o escuro chegasse, e então caminhou
para a cidade de Valdosta. Seu chapéu preto estava caído sobre os
olhos e a capa amarela bem fechada no pescoço. Caminhou até a
estação e espiou através de uma janela embaçada pela chuva. O
agente da estação, com uma viseira verde e as mangas de trabalho em
alpaca preta, estava inclinado para fora da bilheteria falando com um
amigo. Levou vinte minutos para que o amigo fosse embora. Adam
observou-o da plataforma. Respirou fundo para se acalmar e entrou na
estação.
John Steinbeck, em A leste do Éden
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