quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

A leste do Éden | 7


[ 1 ]

Adam passou seus cinco anos seguintes fazendo as coisas que um exército usa para impedir que seus homens enlouqueçam — polimento interminável de metais e couros, parada, ordem-unida e escolta, cerimônia de clarim e bandeira, um balé de ocupações para homens que não estão fazendo nada. Em 1886, estourou a grande greve das fábricas de carne enlatada em Chicago e o regimento de Adam foi treinado, mas a greve se resolveu antes que ele fosse necessário. Em 1888, os índios Seminole, que nunca haviam assinado um tratado de paz, ficaram indóceis e agitados, e a cavalaria foi treinada de novo; mas os Seminole se retiraram para os seus charcos e ficaram quietos, e a rotina sonâmbula se instalou entre as tropas de novo.
O intervalo de tempo é uma questão estranha e contraditória na mente. Seria sensato supor que um tempo de rotina ou um tempo sem acontecimentos pareceria interminável. Deveria ser assim, mas não é. São os tempos monótonos e parados que não têm nenhuma duração. Um tempo salpicado de interesses, marcado pela tragédia, recheado de alegrias — este é o tempo que parece longo na memória. E é assim quando se pensa a respeito. A falta de acontecimentos não tem postes para marcar sua duração. Entre o nada e o nada não há tempo algum.
O segundo período de cinco anos de Adam acabou antes que ele se desse conta. Era o final de 1890 e ele foi dispensado com divisas de sargento no Presídio em São Francisco. Cartas entre Charles e Adam tinham se tornado uma grande raridade, mas Adam escreveu ao irmão pouco antes de dar baixa. “Desta vez estou indo para casa”, e foi a última coisa que Charles soube dele por mais de três anos.
Adam esperou que o inverno passasse, subindo o rio lentamente até Sacramento, vagueando no vale do San Joaquin e quando a primavera chegou Adam não tinha mais nenhum dinheiro. Enrolou um cobertor e iniciou uma lenta jornada para o leste, às vezes caminhando e às vezes com grupos de homens nos tirantes debaixo de trens de carga lentos. À noite, ele acampava com vagabundos nos arredores das cidades. Aprendeu a mendigar, não por dinheiro, mas por comida. E antes que percebesse ele mesmo era um vagabundo.
Homens desse tipo são raros hoje em dia, mas nos anos 1890 havia muitos deles, homens errantes, homens solitários, que queriam as coisas daquele jeito. Alguns deles fugiam de responsabilidades e alguns se sentiam injustamente rejeitados pela sociedade. Trabalhavam um pouco, mas não por muito tempo. Roubavam um pouco, mas só comida, e de vez em quando pegavam uma roupa de um varal. Eram todo tipo de homens — homens instruídos e homens ignorantes, homens limpos e homens sujos —, mas todos eles tinham a inquietação em comum. Seguiam o calor, mas evitavam o calor excessivo e o frio excessivo. À medida que a primavera avançava, eles a acompanhavam para o leste, e a primeira geada os impelia para o oeste e o sul. Eram irmãos do coiote que, sendo selvagem, vive perto do homem e dos seus galinheiros: ficavam perto das cidades, mas não dentro delas. Associações com outros homens duravam uma semana, ou um dia, e depois cada um seguia o seu caminho.
Em torno das pequenas fogueiras onde borbulhava o ensopado comunitário, circulava todo tipo de conversa e só os assuntos pessoais não eram mencionados. Adam ouviu falar do surgimento da Central Sindical dos Trabalhadores da Indústria com seus anjos irados. Escutou discussões filosóficas, sobre metafísica, estética e experiência impessoal. Seus companheiros da noite podiam ser um assassino, um padre destituído ou que largou a batina por escolha própria, um professor que deixou um bom emprego numa faculdade enfadonha, um homem solitário perseguido pelas lembranças, um anjo caído e um diabo em treinamento, e cada um contribuía com nacos de pensamento à fogueira assim como contribuía com cenouras, batatas, cebolas e carne para o ensopado. Aprendeu a técnica de fazer a barba com caco de vidro, a estudar uma casa antes de bater para pedir um prato de comida. Aprendeu a evitar ou lidar com policiais hostis e a julgar uma mulher pelo calor do seu coração.
Adam sentia prazer em sua nova vida. Quando o outono tocou as árvores, ele havia chegado tão longe quanto a cidade de Omaha, e sem perguntas, motivo ou pensamento apressou-se a tomar o rumo do oeste e do sul, atravessou as montanhas e chegou com alívio ao sul da Califórnia. Caminhou pelo litoral da divisa norte até San Luis Obispo e aprendeu a pegar moluscos, enguias, mexilhões e percas nas poças formadas pela maré, a achar mariscos cavando em bancos de areia e a capturar coelhos nas dunas com um laço de linha de pescar. E ficava deitado na areia aquecida pelo sol contando as ondas.
A primavera o chamou de novo para o leste, porém mais lentamente do que antes. O verão estava frio nas alturas e o pessoal das montanhas foi bondoso como as pessoas solitárias costumam ser. Adam conseguiu emprego no rancho de uma viúva nos arredores de Denver e compartilhou sua mesa e cama humildemente até que a geada o impeliu de novo para o sul. Seguiu o Rio Grande passando por Albuquerque e El Paso, contornando a Grande Curva, atravessando Laredo e chegando a Brownsville. Aprendeu as palavras espanholas para comida e prazer, e aprendeu que quando as pessoas são muito pobres elas ainda têm algo para dar e o impulso de dar. Criou um amor pelos pobres que não poderia ter concebido se não fosse ele mesmo pobre. E a esta altura era um vagabundo experiente, usando a humildade como o seu princípio de ação. Ficou esguio e bronzeado do sol e podia anular sua personalidade a ponto de não provocar nenhum sentimento de raiva ou inveja. Sua voz tornara-se macia e havia combinado muitos sotaques e dialetos em sua própria fala, de modo a não parecer estrangeiro em lugar algum. Esta era a grande segurança do vagabundo, um véu protetor. Muito raramente viajava como clandestino em trens, pois havia uma hostilidade crescente contra os vagabundos, baseada na raiva violenta da Central Sindical dos Trabalhadores da Indústria e agravada pelas ferozes represálias contra eles. Adam foi detido por vadiagem. A rápida brutalidade dos policiais e dos prisioneiros o apavorou e o fez afastar-se das rodas de vagabundos. Viajava sozinho depois disso e se certificava de estar bem barbeado e limpo.
Quando a primavera voltou, partiu para o norte. Sentia que o seu tempo de descanso e paz estava terminado. Rumou ao norte em direção a Charles e às memórias evanescentes da sua infância.
Adam deslocou-se rapidamente através do interminável leste do Texas, através da Louisiana e dos extremos meridionais do Mississippi e do Alabama, até o flanco da Flórida. Sentia que precisava andar rápido. Os negros eram pobres o bastante para serem generosos, mas ele não podia confiar em nenhum branco, por mais pobre que fosse, e os brancos pobres tinham medo de forasteiros.
Perto de Tallahassee, foi detido pelos homens do xerife, julgado vadio e colocado num grupo de trabalhos forçados. Era assim que se construíam estradas. Sua sentença foi de seis meses. Foi solto e imediatamente detido para cumprir mais seis meses. E agora aprendeu como os homens podem considerar outros homens como bestas e que a melhor maneira de lidar com tais homens era agir como besta. Um rosto limpo, um rosto aberto, um olho erguido para encontrar outro olho — essas coisas chamavam atenção e isso por sua vez trazia punição. Adam pensava como um homem que se machucou enquanto fazia uma coisa feia ou brutal, e que agora precisava punir alguém por causa daquele machucado. Ser vigiado no trabalho por homens com espingardas, ser algemado pelo tornozelo e preso a uma corrente à noite eram simples questões de precaução, mas os selvagens açoites pelo menor sinal de contrariedade, pelo menor resquício de dignidade ou resistência pareciam indicar que os guardas tinham medo dos prisioneiros e Adam sabia, pelos anos passados no Exército, que um homem com medo é um animal perigoso. E Adam, como qualquer um no mundo, temia o que os açoites poderiam fazer ao seu corpo e ao seu espírito. Puxou uma cortina ao seu redor. Removeu qualquer expressão do seu rosto, luz dos seus olhos, e silenciou a sua fala. Mais tarde, não ficou tão espantado que aquilo tivesse acontecido com ele, mas que conseguisse absorver e com um mínimo de dor. Foi muito mais horrível depois do que quando estava acontecendo. É um triunfo do autocontrole ver um homem chicoteado até que os músculos das suas costas se mostrem brancos e brilhantes através dos cortes e não dar nenhum sinal de piedade, raiva ou interesse. E Adam aprendeu isso.
As pessoas são sentidas, mais do que vistas, após os primeiros momentos. Durante a sua segunda sentença nas estradas da Flórida, Adam reduziu sua personalidade ao mínimo. Não causava nenhuma agitação, não emitia nenhuma vibração, tornou-se quase tão invisível quanto é possível ser. E, quando os guardas não podiam senti-lo, não tinham medo dele. Deram-lhe tarefas de limpeza no acampamento, de distribuir o mingau para os prisioneiros, de encher os baldes de água.
Adam esperou até três dias antes da sua segunda liberação. Pouco depois do meio-dia, ele encheu os baldes de água e voltou ao riacho para pegar mais. Encheu seus baldes com pedras e os afundou, então esgueirou-se até a água e nadou um longo trecho rio abaixo, descansou, e nadou mais outro trecho. Continuou deslocando-se pela água até que ao entardecer encontrou um lugar debaixo de um barranco com arbustos para se esconder. Não saiu da água.
Mais tarde na noite ouviu os cães farejadores passarem, cobrindo ambos os lados do rio. Havia esfregado seus cabelos com folhas verdes para ocultar o odor humano. Ficou sentado na água com o nariz e os olhos alertas. De manhã os cães voltaram, desinteressados, e os homens estavam cansados demais para investigar as margens adequadamente. Quando tinham ido embora, Adam puxou um pedaço encharcado de carne de porco frita e comeu.
Havia treinado a si mesmo contra a pressa. A maioria dos homens é apanhada quando foge como um relâmpago. Adam levou cinco dias para percorrer a curta distância até a Geórgia. Não corria riscos, continha sua impaciência com um controle de ferro. Ficou espantado com a sua capacidade.
Nos arredores de Valdosta, na Geórgia, ficou escondido até bem depois da meia-noite, entrou na cidade como uma sombra, esgueirou-se para trás de um armazém barato, forçou uma janela lentamente até que os parafusos da tranca foram arrancados da madeira apodrecida. Recolocou a tranca, mas deixou a janela aberta. Tinha de trabalhar à luz do luar que mal atravessava as janelas sujas. Furtou uma calça barata, uma camisa branca, sapatos pretos, um chapéu preto e uma capa de chuva, e experimentou cada artigo para ver se lhe servia. Certificou-se de que nada parecia fora de ordem antes de saltar para fora pela janela. Tudo o que tirou foi de um estoque farto. Nem chegou a olhar para a caixa registradora. Abaixou a janela cuidadosamente e deslizou de sombra em sombra sob o luar.
Ficava escondido durante o dia e saía em busca de comida à noite — nabos, algumas espigas de milho de uma manjedoura, algumas maçãs derrubadas pelo vento. Tirou a aparência de novo dos sapatos esfregando areia neles e amarrotou a capa de chuva para lhe dar um aspecto de usada. Esperou três dias para que caísse a chuva de que ele precisava ou que, em sua cautela extremada, achava que precisava.
A chuva começou no final da tarde. Adam enroscou-se debaixo de sua capa de chuva, esperando que o escuro chegasse, e então caminhou para a cidade de Valdosta. Seu chapéu preto estava caído sobre os olhos e a capa amarela bem fechada no pescoço. Caminhou até a estação e espiou através de uma janela embaçada pela chuva. O agente da estação, com uma viseira verde e as mangas de trabalho em alpaca preta, estava inclinado para fora da bilheteria falando com um amigo. Levou vinte minutos para que o amigo fosse embora. Adam observou-o da plataforma. Respirou fundo para se acalmar e entrou na estação.

John Steinbeck, em A leste do Éden

Nenhum comentário:

Postar um comentário