terça-feira, 24 de dezembro de 2024

1553 – Potosí

O alcaide e a bela

Se Potosí tivesse hospital e ela passasse pela porta, os doentes ficariam curados.
Mas esta cidade ou amontoado de casas nascido há menos de seis meses não tem hospital.
Cresceu loucamente o acampamento mineiro, que já soma vinte mil almas. Brotam novos tetos, cada amanhecer, ao impulso dos aventureiros que de todas as partes acodem, dando cotoveladas e estocadas, em busca de fortuna fácil. Nenhum homem se arrisca pelas ruelas de terra sem armar-se de espada e malha de couro, e estão as mulheres condenadas a viver atrás dos pórticos. Mais perigo correm as menos feias: e entre elas, a mais bela solteira não tem mais remédio que esconder-se do mundo. Só sai ao amanhecer, muito escoltada, para ir à missa: porque ao vê-la qualquer um teria vontade de bebê-la inteirinha, de um gole ou aos pouquinhos.
O alcaide-mor da vila, dom Diego de Esquivel, pôs-lhe o olho. Dizem que por isso anda sorrindo de orelha a orelha, e todo mundo sabe que ele não tinha tornado a sorrir desde aquela distante vez que tentou fazê-lo, na infância, e seus músculos ficaram doendo.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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