sexta-feira, 1 de novembro de 2024

De velhas e novas tábuas | 3.



Foi também lá que recolhi do caminho a palavra “super-homem”, e que o homem é algo que tem de ser superado,
que o homem é uma ponte e não um fim: declarando-se bem-aventurado por seu meio-dia e entardecer, como o caminho para novas auroras:
a palavra de Zaratustra do grande meio-dia, e o que mais suspendi sobre os homens, como segundas auroras purpúreas.
Em verdade, também novas estrelas os fiz ver, junto com novas noites; e sobre as nuvens, o dia e a noite estendi o riso, como uma tenda multicor.
Ensinei-lhes todo o meu engenho e esforço: compor e transformar em um o que no homem é pedaço, enigma e apavorante acaso, —
como poeta, decifrador de enigmas e redentor do acaso ensinei-lhes a criar com o futuro, a redimir criadoramente tudo aquilo que — foi.
Redimir o passado no homem e recriar todo “Foi assim”, até que a vontade diga: “Mas assim eu quis! Assim quererei —”.
a isso denominei redenção para eles, apenas isso lhes ensinei a denominar redenção. — —
Agora espero minha redenção —, que eu vá pela última vez até eles.
Pois ainda uma vez quero ir até os homens: entre eles quero declinar: morrendo quero lhes dar minha maior dádiva!
Do sol aprendi isso, quando ele se põe, o riquíssimo: derrama ouro sobre o mar, de sua inesgotável riqueza, —
de modo que até o mais pobre dos pescadores rema com remo de ouro! Pois isso vi certa vez, e minhas lágrimas não cessavam de correr enquanto meus olhos contemplavam. — —
Tal como o sol quer Zaratustra declinar: agora ele se acha aqui sentado, esperando, com velhas tábuas partidas ao seu redor e também novas tábuas — inscritas pela metade.

Friedrich Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra

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