Foi
nesse tempo que aconteceram algumas coisas que mudaram o mundo.
Apareceram os hippies. O homem chegou na Lua (apareceu na televisão).
Salvador Allende chegou ao poder. Uma vez, o comandante Fidel Castro
passou pela rua principal do povoado (a gente só conseguiu ver,
pelos vidros de uma camionete, sua barba flutuando).
No
sul, em sua cidade natal, minha mãe se suicidou. Dependurou-se numa
figueira. Disseram que tinha sido com um de seus lenços de seda,
daqueles que ela adorava tanto.
Eu
fiquei sabendo dois meses depois.
E
então, aconteceu o golpe de Estado do general Pinochet. Com o golpe,
desapareceram muitas coisas. Desapareceu gente. Desapareceu o trem.
Desapareceu a confiança.
Desapareceu
o senhor administrador.
Puseram
um militar para ocupar o seu lugar.
E
eu tornei a ficar sozinha. Ele foi embora sem se despedir.
Diziam
que havia voltado para o seu país (outros murmuravam que tinha sido
fuzilado). No fim, eu havia tomado algum carinho pelo gringo. Embora
às vezes ele se embebedasse e batesse em mim, não era má pessoa.
Até
me deu uma televisão de presente.
No
fundo, era um solitário e um sentimental.
Sofria
muito por causa da sua esterilidade. De certa forma, era como o meu
pai: inútil da cintura para baixo.
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
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