Não
existe coisa mais perigosa que poder sem sonho, dinheiro sem visão.
Dinheiro sem visão desanda a fazer besteiras que, depois de feitas,
viram elefantes coloridos que comem e defecam em excesso sem nada
produzir. Desconfio muito dos que, ao falar da educação, falam logo
na falta de verbas. A maior pobreza da educação não se encontra na
escassez dos recursos econômicos. Ela se encontra na pobreza da
imaginação.
A
educação se divide em duas partes: educação das habilidades,
educação da sensibilidade. Sem a educação da sensibilidade todas
as habilidades são tolas e sem sentido.
Conhecer
por conhecer, conhecer tudo o que há para ser conhecido: isso é um
estilo suíno de aprender.
Há
saberes na cabeça que paralisam os saberes inconscientes do corpo.
“Que
espantosos pedagogos nós éramos, quando não nos preocupávamos com
a pedagogia!” (Daniel Pennac)
Contou-me
o jovem médico, residente de psiquiatria: “Me aguardava uma
velhinha. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ela tomou a
iniciativa: ‘Doutor, quero lhe fazer duas perguntas’.
‘Pois não’, eu disse. ‘O senhor é dos médicos que
dão remédio ou só falam para curar?’ Respondi:
‘Sou dos que só falam para curar’. Ela continuou: ‘Agora,
a última pergunta: Essa conversa que cura, ela é aprendida na
escola ou é de graça?’”. A velhinha sabia muito, sem saber.
Há saberes que não se aprendem. Nascemos com eles, por graça dos
deuses.
Não
basta que o aluno conheça o mundo. É preciso que ele deguste o
mundo. Não basta que o aluno tenha ciência. É preciso que tenha
sapiência.
Sabe-se
muito sobre regras de gramática e análise sintática. Mas onde está
o prazer da leitura? Ler gastronomicamente, vagarosamente, por puro
prazer, sem a obrigação brochante de ter de preencher um
questionário de interpretação.
O
educador é um mestre de Kama Sutra, manual de sabedoria
erótica. São os prazeres e as alegrias que nos dão razões para
viver. Brecht, sofrido, disse que o único objetivo da ciência era
aliviar a miséria da existência humana. Mas isso não basta. Não
basta aliviar a miséria. É necessário produzir a exuberância dos
prazeres.
Os
saberes são navios. Para se construir navios é preciso ciência. Os
portugueses no século XVI construíam trinta caravelas por mês.
Tinham ciência. Aprenderam a ciência da construção de caravelas
porque eram fascinados pelo navegar. “Navegar é preciso; viver não
é preciso...” Foi o sonho de navegar que gerou e pariu a ciência
da construção de construir caravelas. A ciência é filha dos
sonhos.
Caravelas
não se fazem sem recursos econômicos. Mas recursos econômicos não
fazem caravelas. Educação não se faz sem recursos econômicos. Mas
recursos econômicos não fazem educação. É preciso o sonho.
Recursos econômicos sem sonhos frequentemente dão à luz seres
monstruosos…
Rubem Alves, em Do universo à jabuticaba
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